Daniel Antonsson sai de sua casa todas as manhãs, pega sua bicicleta e percorre um trecho de poucos minutos até chegar ao escritório da agência de turismo onde trabalha. Nos últimos dias, com o avanço da pandemia do coronavírus na Suécia, ele viu pelo menos duas mudanças na sua rotina: ao invés de atender ligações de clientes para agendar viagens para os Alpes Franceses, Daniel tem dedicado mais tempo a remarcar passagens, devolver o dinheiro dos consumidores e planejar um futuro incerto. A outra mudança é na paisagem de Gotemburgo, a segunda maior cidade de seu país.

“O número de carros nas ruas diminuiu, os restaurantes estão mais vazios e o transporte público tem menos gente”, conta ele. Em seu escritório, Daniel continua trabalhando com outros seis colegas, mas o home office será implantado nos próximos dias. O cenário é típico do que tem acontecido em toda a Suécia, país de 10 milhões de habitantes que tem adotado uma abordagem mais suave para combater a covid-19.

Com 477 mortes e 7.206 contaminados, o país não adotou uma quarentena obrigatória. Ainda é possível ir a restaurantes, à academia e levar as crianças de até 16 anos na escola. Nas últimas semanas, o governo recomendou a redução do fluxo de pessoas, cancelou shows, grandes eventos e interrompeu o calendário de partidas de futebol e hóquei. Também proibiu visitas a casas de idosos e viagens ao exterior que não sejam essenciais.

Ao ver a epidemia avançar, o governo procura ter poderes mais amplos, como a possibilidade de fechar aeroportos e estações ferroviárias sem aprovação do Parlamento. A coalizão de governo, liderada pelos social-democratas, diz que falta suporte legal para reagir à pandemia com a velocidade necessária.

“Vimos a rapidez com que a situação na Suécia e na Europa pode mudar e vemos a necessidade de mais possibilidades para reagir se a situação exigir”, afirmou a ministra da Saúde e Assuntos Sociais, Lena Hallengren, em comunicado.

A estratégia atual, do epidemiologista chefe do país, Anders Tegnell, é de reduzir a velocidade da disseminação, mas permitindo que parte da população adquira imunidade ao vírus. No meio tempo, o sistema de saúde tem sido reforçado, assim como as recomendações para sair cada vez menos de casa. “Meu sentimento é de que os suecos estão levando isso a sério”, afirma Daniel Antonsson.

A percepção é confirmada por um estudo do governo realizado na última semana de março: dois terços dos suecos disseram ter deixado de viajar, encontrar pessoas próximas e usar transporte público. “Existe uma confiança relativamente forte nas agências governamentais em toda a sociedade sueca. O conselho das agências responsáveis é seguido em grande parte pelos atores públicos e privados em geral, e tem um efeito normativo”, explica o vice-cônsul da Suécia em São Paulo, Peter Johansson.

A nova realidade fez Benny Lundstrom abrir pela primeira vez o aplicativo Zoom – usado para fazer chamadas de vídeo. É assim que ele conversa agora com seus colegas de trabalho e clientes da companhia de inteligência artificial onde trabalha, em Estocolmo. Benny viu um declínio nas negociações e no fluxo de pessoas nas ruas da capital sueca. “Os shoppings e centros de compras estão bem mais vazios. Se você for aos parques, há muitas pessoas, mas elas respeitam o distanciamento”, afirma.

Questionado sobre a forma como o governo tem tratado a pandemia, diferente de vizinhos como Dinamarca, Finlândia e Noruega, que adotaram medidas mais restritas de circulação de pessoas, Benny se diz satisfeito.

“Acho que há uma boa relação entre o governo e as pessoas. Entendemos que é algo grave e a maior parte de nós segue as recomendações governamentais”. Ele, que tem uma filha de 10 anos, afirma que é positiva a ideia de não fechar as escolas, já que se todas as crianças ficarem em casa, muitos pais e mães enfermeiros, médicos e profissionais da saúde terão de cuidar delas e deixarão de ir aos hospitais.

Benny acredita que o meio termo é uma boa forma de tratar a questão, já que se as pessoas ficarem somente em casa também pode haver mais casos de violência familiar e problemas de saúde mental. Ele conta que os pedidos de comida e de entregas de alimentos de supermercados cresceram muito, assim como as ações de caridade e apoio para locais como restaurantes, atrações turísticas e equipes esportivas, que perderam faturamento da noite para o dia.

Na semana passada, a ministra das Relações Exteriores, Ann Linde, afirmou que todos os suecos são responsáveis pelo seu próprio bem-estar, pelo dos seus vizinhos e pelo da comunidade em que vivem. “Tenho uma avaliação positiva de como o governo está cuidando da situação. Se é correto, eu não sei. Mas, a meu ver, parece lógico agir assim. Vamos ver”, disse Daniel Antonsson.

Fonte: Estadão Conteúdo