Morreu na segunda (25) aos 96 anos, de falência múltipla dos órgãos, o ambientalista Paulo Nogueira Neto primeira pessoa a ocupar o cargo de secretário especial de meio ambiente, posto equivalente hoje ao de ministro.
Toda a estrutura da política ambiental brasileira tem a impressão digital do biólogo paulistano. Professor de ecologia aposentado da USP, nascido em 18 de abril de 1922, Paulo Nogueira Neto foi o principal articulador não só da criação de grande parte das unidades de conservação federais em todo o Brasil, mas também das principais leis de proteção do meio ambiente do país.
Além de ter comandado de 1974 a 1986 no governo federal a Sema (Secretaria Especial do Meio Ambiente), Nogueira Neto foi também um dos formuladores do conceito de desenvolvimento sustentável, assumido pelas Nações Unidas em 1987 e, desde então, fundamentado leis, políticas e projetos que extrapolam o âmbito da conservação ambiental em quase todo o mundo.
A agência federal, que foi o embrião do Ibama e do atual Ministério do Meio Ambiente, durante muito tempo não passou de uma pequena estrutura subordinada ao ministro do Interior. Mas sua atuação foi decisiva para ações de outros órgãos, como o Ministério da Agricultura, com a criação de 26 reservas, estações ecológicas e outras unidades para proteger cerca de 3,2 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa.
Com a ajuda de universidades, instituições de pesquisa e órgãos governamentais, Nogueira Neto foi o formulador da principal lei ambiental brasileira, a da Política Nacional do Meio Ambiente, que em 1981 antecipou disposições ambientais da Constituição Federal.
Além de definir prioridades e áreas de atuação do poder público, critérios e padrões de qualidade ambiental, normas de uso de recursos naturais e de divulgação de dados e informações, a lei também estabeleceu a obrigação de poluidores e degradadores de recuperar ou indenizar os danos causados ao meio ambiente.
A aprovação da lei pelas lideranças partidárias no Congresso pegou de surpresa representantes da indústria. Mas, apesar de a CNI (Confederação Nacional da Indústria) ter pedido o veto de 13 artigos, o presidente João Figueiredo (1979-1985) excluiu apenas dois deles ao sancionar a lei, acompanhando a orientação do titular da Sema.
Prestigiado pelo governo e pela oposição durante as gestões Médici, Geisel, Figueiredo e Sarney, o professor de biologia teve uma atuação à frente da Sema marcada por seu perfil aberto ao diálogo, conciliador e realizador. “Sua opinião sempre foi procurada e acatada”, afirmou em 2010 o zoólogo e compositor Paulo Vanzolini (1924-2013).
Paulo Nogueira Neto foi também o principal articulador da implantação em 1984 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que passou a definir normas como as de licenciamentos ambientais, controle de poluição e outras atividades.
Na cerimônia de inauguração do órgão, o ministro do Interior, Mário Andreazza (1979-1984), não conseguiu disfarçar sua surpresa quando Nogueira Neto, ao discursar, afirmou durante seu pronunciamento que o novo conselho era o único em que o governo não tinha maioria. Em outubro do mesmo ano, a Sema e outras entidades aprovaram por 19 votos contra 6 do governo uma moção para o governo retirar do Congresso seu projeto de lei sobre uso de agrotóxicos.
Além do prestígio em diversos setores nacionais, Nogueira Neto contava também com um forte relacionamento com ONGs e outras instituições estrangeiras, inclusive de organismos das Nações Unidas. Apesar das dificuldades impostas pelo governo durante o regime militar, Nogueira Neto era reconhecido pela comunidade científica e também pela imprensa por facilitar o acesso a informações de interesse público.
A iniciativa de informar a imprensa muitas vezes partiu do próprio secretário da Sema. Como em 1975, ao saber da grave contaminação por mercúrio por resíduos industriais na baía de Todos os Santos, que estava sob sigilo pelos governos federal e da Bahia. “Estamos numa situação equivalente à que houve na baía de Minamata, no Japão”, escreveu ele em seu diário pessoal no dia 8 de abril daquele ano.
Oito dias depois, Nogueira Neto a comunicou a contaminação a alguns jornalistas, após avisar autoridades dos governos federal e baiano de que tornaria pública a informação. “Quando a notícia estiver nas ruas, ninguém mais segura a coisa. Chega de empurrar o lixo para debaixo do tapete”, anotou ele em seu diário.
O uso da opinião pública ajudou também o secretário da Sema a impedir, em 1982, na construção da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, o uso de desfolhantes para facilitar a remoção da floresta. Um produto de ação semelhante, o chamado agente laranja, havia sido usado para fins militares pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.
Em junho daquele ano, em Paris, durante uma conferência na Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), Nogueira Neto revelou sua preocupação com os testes de desfolhantes pela Eletronorte com o apoio de órgãos do governo federal, que haviam sido alertados oficialmente por ele.
O assunto foi rapidamente repercutido pela imprensa, provocando confrontos do titular da Sema com o Conselho de Segurança Nacional e alguns ministérios. Dessa vez, não houve nenhum esforço de conciliação do secretário especial, que contava apenas com o apoio de Andreazza e de Delfim Neto (Planejamento). Em agosto do mesmo ano, a Eletronorte e o Ministério das Minas e Energia desistiram do uso de desfolhantes.
Descendente do “Patriarca da Independência” José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) e bisneto do presidente Campos Salles (1845-1913), Paulo Nogueira Neto nasceu em São Paulo em uma família de produtores agrícolas e de juristas. De 1938 a 1946, quando seu pai, o deputado federal Paulo Nogueira Filho viveu exilado na Argentina, o jovem atuou politicamente, desde o curso secundário, contra a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Nogueira Neto se casou em 1944 com Lúcia Ribeiro do Valle, que com viveu até 1995, ano em que ela morreu. Ambos tiveram três filhos -Paulo, Luiz Antonio e Eduardo Manoel. No ano seguinte ao casamento ele se formou em direito pela USP, mas já havia começado por conta própria seus estudos sobre abelhas indígenas (sem ferrão), que fortaleceram seu interesse na área de meio ambiente.
A partir de 1955 o jovem bacharel participou da mobilização para criar a reserva do Pontal do Paranapanema, na região oeste do Estado de São Paulo, para evitar a grilagem de terras em áreas de remanescentes de mata Atlântica.
No ano seguinte, Nogueira Neto foi um dos fundadores de Adema (Associação em Defesa do Meio Ambiente). Esse foi o ponto de partida para um relacionamento cada vez mais intenso e produtivo com estudiosos e conservacionistas como o almirante Ibsen Gusmão Câmara (1923-2014), da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, Augusto Ruschi (195-1986), Alceo Magnanini, Adelmar Coimbra Filho, entre outros.
Em 1959 ele se formou em história natural (biologia) também na USP, onde em 1963 defendeu sua tese e doutorado sobre arquiteturas de ninhos de abelhas. Começou a lecionar na mesma universidade em 1964, convidado pelo zoólogo Ernest Marcus, um dos fundadores da instituição em 1934.
Depois de colaborar na criação Laboratório de Abelhas, Nogueira Neto atuou na fundação do Departamento de Ecologia Geral.
Os primeiros contatos que levaram Nogueira Neto à Sema aconteceram em 1973, mais de um ano após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia. O governo ainda não havia reparado os danos à sua imagem devido a posições contrárias à proteção ambiental assumidas naquele evento.
O professor da USP havia sido convidado pelo Ministério do Interior, para uma reunião em Brasília em novembro daquele ano, para opinar sobre uma minuta de decreto de criação de uma agência federal de meio ambiente. Ao responder que não concordava com os termos da iniciativa do governo, ele foi convidado pelo secretário-geral do ministério, Henrique Brandão Cavalcanti, a modificá-la e a dirigir o novo órgão.
Para muitos que não o conheceram pessoalmente, mas sabem de seu trabalho, Paulo Nogueira Neto se destacou por sua dedicação, seu espírito de conciliação e seu foco em resultados. Para os que o conheceram de perto, maior que tudo isso foi sua grande disposição para o diálogo aberto e profundo, principalmente com aqueles que mais divergem dele.
FolhaPress