‘Uma luta contra o tempo’, foi assim que Kelane Frasão encarou a busca pelo tratamento da doença do filho Francisco Yago. A criança portadora da Síndrome de Down nasceu com cardiopatia congênita, uma má formação no coração e que atinge um em cada 100 bebês nascidos vivos.

Em Teresina, 25 a 30 crianças nascem por mês com algum tipo de cardiopatia, que podem ser dos casos mais leves até o mais grave. A doença não tem cirurgia realizada no Piauí e o paciente depende de um cadastro nacional, gerenciado pelo Ministério da Saúde.

Mesmo considerado caso de urgência, por ter um prazo para a realização da cirurgia, as famílias de bebês com cardiopatia aguardam meses e muitas vezes recorrem à Justiça para conseguir que o procedimento seja realizado em outro estado. A luta contra o tempo ganhou, desde 2016, um parceiro fundamental através das ações do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde (CAODS), do Ministério Público do Estado do Piauí.

Desde o nascimento do pequeno Yago, Kelane Frasão entrou com o pedido para participar do Tratamento Fora de Domicílio (TFD), mas aos quatro meses a criança ainda era o 26º da fila de espera. Ela então procurou orientação com o conselheiro tutelar Djan Moreira, que a encaminhou ao Ministério Público.

Descobrimos a cardiopatia congênita do Yago com uma semana de nascido, através de exame, e ao mesmo tempo fui informada que a cirurgia não era realizada no Piauí. Os médicos me orientaram a procurar o TFD, mas quando soube que ele era o 26º da fila, aquilo para mim foi assustador, porque eu tinha até sete meses de vida para fazer a cirurgia do meu filho.
— Kelane Frasão

Com a ajuda da promotora Karla Carvalho, coordenadora do CAODS, Kelane Frasão conseguiu uma liminar judicial para o governo do estado custeasse a operação de Francisco Yago em Recife, Pernambuco. O bebê fez a cirurgia ainda com cinco meses e mesmo assim teve complicações, devido à pressão no pulmão pela demora no procedimento.

“Eu e outra mãe viajamos para Recife, mas infelizmente o bebê dela não resistiu e morreu lá, porque fez a cirurgia no prazo limite. O Yago ainda passou 20 dias na UTI por causa das complicações e nós ficamos mais de um mês lá. Chegando a Teresina, ele ainda pegou uma pneumonia e passou um mês e 15 dias internado, mas graças a Deus, ao conselheiro Djan e ao Ministério Público, o meu filho está vivo”, contou.

Atualmente com dois anos, Francisco Yago não toma mais remédios para o coração e tem apenas um acompanhamento multiprofissional por causa da Síndrome de Down. “Agora ele está bem. Hoje eu já oriento as outras mães com o mesmo problema a procurarem o Ministério Público”, destacou Kelane.

Lutar pela vida

O conselheiro tutelar Djan Moreira pontua que os casos tem solução se forem cuidados a tempo. Segundo ele, os pais de crianças com cardiopatia congênita têm duas opções: lutar pela vida do filho ou esperar a criança vir a óbito. Em todos os casos em que atuou, as famílias escolheram lutar.

“Nós tivemos conhecimento desses casos de cardiopatia congênita em 19 de janeiro de 2016, quando a avó do Esdras, paciente da Maternidade Evangelina Rosa, fez uma campanha nas redes sociais e marcou o meu nome na postagem. Imediatamente entrei em contato com ela, mas infelizmente a criança morreu três dias depois. A partir da repercussão da história, nós demos auxílio a outras duas meninas que estavam internadas com doença”, comentou.

Diante da ajuda prestada as primeiras crianças diagnosticadas com a doença, as mães de pacientes começaram a orientar as outras a procurarem o Conselho Tutelar. Djan ficou sabendo que o Ministério Público também estava recebendo essa demanda e através da promotora Karla Carvalho foi ajuizada uma ação que tinha de 21 crianças na lista, entre elas, o Francisco Yago.

“Fizemos então essa parceria, porque quando não conseguimos resolver via administrativa, o Conselho tem as suas atribuições legais de provocar o Ministério Público. Participamos de audiências na Assembleia Legislativa, a doutora Karla Carvalho teve sensibilidade com o tema e a partir daí tivemos avanços, como o mutirão de cirurgia de cardiopatia ano passado”, declarou o conselheiro.

Nosso sonho é que todas as crianças possam ser operadas e recebam o tratamento aqui no estado — Conselheiro tutelar Djan Moreira

Direito a vida e a saúde

No Piauí, o serviço de cardiologia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) só acontece pelo Hospital Universitário, que não faz cirurgia em criança. Para atender a demanda, o governo contratou o serviço de um hospital particular, que só faz o procedimento para pacientes a partir de 1,5 quilos.

Diante do aumento de casos de cardiopatia congênita, o Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde (CAODS) vem ao longo dos anos tentando sensibilizar a Secretaria de Saúde, que se comprometeu a abrir até o fim do ano o serviço de cardiologia no Hospital Getúlio Vargas (HGV) e com isso receber as crianças.

“É uma situação dramática o serviço de cardiologia como todo no Piauí, porque a cirurgia cardíaca precisa necessariamente de um leito de UTI, então a disputa é maior ainda e com longas filas de espera. A luta do MP foi ajuizar uma ação civil pública e pedir que o procedimento de cardiopatia congênita fosse executado no próprio estado do Piauí. Em contato com a médica de Pernambuco, que o estado que mais recebe crianças com cardiopatia congênita, se dispôs a vir ao Piauí realizar as cirurgias. O pedido continua por análise do juiz da Vara da Fazenda Pública”, explicou a promotora Karla Carvalho, coordenadora do CAODS.

Para a promotora, é preciso ajuda da sociedade para cobrar a aplicação correta dos recursos e assim sensibilizar os gestores. Ela destacou que o direito a saúde não é só eliminar a doença, como também o bem-estar físico, mental e social.

Nós entendemos ser um direito fundamental a saúde e um dever do estado. A partir do momento em que temos falta de insumos, de médicos e de estrutura inadequada temos violação dos direitos humanos — Promotora Karla Carvalho

O Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde fica atento para articular ações para que situações como a falta de UTIs e insumos, estrutura precária em maternidades e hospitais, mortes neonatais e de grávidas não aconteçam. Além disso, o CAODS cobra dos gestores a aplicação dos recursos públicos e realização de projetos incluídos no planejamento da Secretaria de Saúde.

G1