As mulheres, que são 52,5% do eleitorado do país, representam 32% inscrições para concorrer a um cargo eletivo nas eleições gerais de 2018, segundo os dados mais recentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da noite de sexta-feira (21).
Já entre os pedidos considerados inaptos pela Justiça Eleitoral – ou seja, candidaturas que não vão estar nas urnas em outubro –, a proporção delas é maior: 40%.
Com isso, a participação delas, que já era menor que a dos homens entre candidaturas apresentadas, cai ainda um pouco mais, para 31%.
São consideradas candidaturas inaptas aquelas que não vão concorrer em 2018. Elas são subdivididas entre indeferidas (rejeitadas pela Justiça Eleitoral sem possibilidade de recurso), as renúncias, os pedidos que sequer foram apreciados pela Justiça, os cancelados pelos partidos, e os mortos.
O principal motivo para inaptidão é o indeferimento. E, nessa categoria, a proporção de mulheres chega a 43%, ante os 32% da participação entre as apresentadas.
Os números representam as candidaturas para todos os cargos. No Brasil, atualmente só é obrigatório que os partidos e coligações cumpram uma cota mínima de candidatas mulheres para cargos proporcionais – neste ano, são os de deputado estadual, federal ou distrital (entenda as regras no fim da reportagem).
Em agosto, um levantamento do G1 mostrou que os tribunais regionais eleitorais (TREs) já haviam notificado pelo menos 37 chapas em dez estados por descumprimento da lei.
Segundo Marilda Silveira, especialista em direito eleitoral e professora da Faculdade de Direito do IDP-São Paulo, nos últimos 20 anos a lei de cotas avançou para garantir às mulheres uma parte mínima do dinheiro do fundo partidário para campanhas, mas ainda precisa melhorar em alguns pontos, como ter uma definição clara sobre que punição deverá ser aplicada aos partidos e coligações que descumpram a regra.
Além disso, como os tribunais são obrigados a notificar o descumprimento depois do prazo de apresentação de candidaturas, e antes do primeiro turno, em geral as coligações e partidos não sofrem punições porque regularizam a situação no decorrer do período eleitoral, seja apresentando novas candidatas mulheres ou reduzindo o número de candidatos homens.
Candidaturas indeferidas ou questionadas
Até o balanço divulgado na manhã desta sexta, a grande maioria dos pedidos de registro (mais de 25 mil) foram deferidos pelos tribunais eleitorais sem necessidade de recurso por parte dos candidatos. Mas pelo menos 2.880 pedidos foram indeferidos na primeira instância – outros 80 ainda não tinham sido analisados pela Justiça Eleitoral.
Essa soma considera três tipos diferentes de situações:
- 1.371 pedidos indeferidos: quando a candidatura foi julgada não regular, por não atender às condições exigidas para o deferimento do registro. Esses são os inaptos
- 1.210 pedidos indeferidos com recurso: quando a candidatura se encaixa no mesmo caso acima, mas o candidato entrou com recurso e aguarda o julgamento em uma instância superior; enquanto isso não acontece, ele é considerado pela Justiça como apto a concorrer
- 299 pedidos deferidos com recurso: segundo o TSE, nesse caso, o pedido foi considerado regular pela Justiça, mas houve interposição de recurso contra essa decisão, e esse questionamento ainda não foi julgado em uma instância superior; isso quer dizer que o registro da candidatura ainda corre um risco de ser cassado. Mas, em princípio, está apto.
As mulheres representam 35% das candidaturas nesse grupo, participação um pouco maior do que a que elas têm na soma total de pedidos.
Considerando cada uma das três situações, elas têm maior peso entre o total de candidatos que tiveram o pedido indeferido, mas entraram com recurso para tentar reverter a decisão, e agora aguardam o novo julgamento.
Uma comparação entre as candidaturas femininas e masculinas considerando essas três categorias do TSE mostra que, do total de mulheres que se candidataram, 11% tiveram algum tipo de problema na Justiça Eleitoral. No caso dos homens, o número é semelhante: 9% dos pedidos de candidaturas masculinas ou foram indeferidos ou foram questionados depois do deferimento.
Além disso, dos 664 candidatos que renunciaram durante a campanha e desistiram de concorrer, 36% são mulheres.
Como aumentar a participação feminina entre as candidaturas?
Para a professora Marilda Silveira, da Faculdade de Direito do IDP-São Paulo, os dados parciais do TSE não revelam se as candidaturas de mulheres, mesmo as indeferidas, representam fraude ou casos de “candidatas de fachada” e, por isso, não é possível concluir se o número real de mulheres interessadas em se eleger para cargos públicos é menor.
Ela disse, porém, que nos 21 anos desde que foi aprovada, a lei passou por avanços nas regras, mas ainda precisa de ajustes.
“A redação dela foi alterada quatro vezes”, explicou ela, lembrando que, no início, o texto dava abertura para a interpretação de que a lei apenas sugeria um número mínimo de candidatas, mas não constituía uma obrigação. Depois, ela passou a uma redação mais clara indicando que uma coligação que descumprisse a cota poderia ser indeferida e, nesse caso, todos os pedidos da coligação seriam indeferidos.
Um dos principais trunfos recentes dela, porém, é obrigar os partidos a distribuir uma parte mínima fixa do fundo partidário para custeio das campanhas de mulheres.
Como evitar candidaturas femininas ‘de fachada’?
Na opinião de Marilda, não é simples descobrir se de fato uma candidata pediu o registro porque quer realmente concorrer a um cargo, ou foi convencida a participar para que o partido pudesse cumprir a cota.
Ela afirma que todos os pedidos precisam passar pela análise da Justiça Eleitoral antes de serem confirmadas ou não. “Você não pode aferir a legibilidade de antemão, e ninguém pode acusar de ser inelegível antes de a Justiça declarar”, explicou a professora ao G1.
Como essa análise acontece durante o período de campanha (e inclusive pode ultrapassar o dia da votação), a cota se aplica apenas aos pedidos apresentados, e não ao número total de pedidos deferidos.
Caso uma análise do tribunal identifique a possibilidade de fraude, a ação indicada seria notificar o Ministério Público para que ele abra uma investigação. Mas, na maior parte das situações, fica difícil comprovar a fraude, porque as mulheres concordaram com sua candidatura “de fachada”.
O que fazer com essas candidaturas?
Há casos, porém, em que mulheres são inscritas sem o seu conhecimento, mas eles são raros, segundo a professora. Na semana passada, duas mulheres do Ceará que são mãe e filha fizeram a denúncia de que foram registradas sem saber. O pedido de registro delas foi considerado apto pela Justiça Eleitoral, mesmo que uma análise mais atenta mostre que as fotos delas foram feitas por meio de montagens.
“Isso é um caso raro, hoje em dia até para fazer coisa errada as pessoas não são bobas assim. Queria saber se a pessoa que fez isso teria coragem de fazer isso com um homem”, disse Marilda.
Em um caso desse tipo, mesmo estando apta, a mulher pode ir à Justiça para pedir o cancelamento de seu registro, e o tribunal pode notificar o Ministério Público para que a denúncia de fraude seja investigada.
O que acontece se um partido não cumpre a lei?
Não existe uma definição. Isso porque, de acordo com Marilda, na hora de avaliar os pedidos de registro de candidatura, ao tribunal compete apenas aplicar os critérios objetivos, e não investigar. Quando o tribunal eleitoral analisa os pedidos e percebe que um partido isolado, ou uma coligação de partidos, não cumpriu a cota, é obrigação da Justiça notificar os partidos para que eles regularizem a situação.
É por essa possibilidade de regularização durante a campanha, diz ela, que há poucos casos de descumprimento. Em geral, a atitude dos partidos para cumprir a cota passa ou por apresentar novas candidaturas femininas, ou reduzir o número de candidatos homens.
A pena, porém, pode variar. “A lei não é clara”, afirma Marilda. Segundo ela, a denúncia de irregularidade pode ser feita depois do dia da votação, mas deve ser apresentada ou antes da diplomação ou até 15 dias depois.
Caso seja confirmada a fraude, uma das penas pode ser a perda de mandato e inelegibilidade dos candidatos eleitos pelo partido ou coligação. Mas ela não é automática. “Não se sabe se é só aqueles do partido [que perdem o mandato], ou pessoas que foram beneficiadas, ou se não cassa as mulheres”, explicou ela. Para Marilda, se uma mulher perde o mandato porque sua coligação não cumpriu a cota de candidatas mulheres, “o que acontece é que a mulher acaba sofrendo duas vezes, não é uma solução”.
A investigação e o julgamento, porém, podem demorar. Marilda cita que há pelo menos três casos de denúncia por descumprimento da cota nas eleições de 2016 esperando julgamento no TSE.
O que diz a lei
- A cota para candidatas mulheres diz respeito apenas às eleições para os cargos de vereador e deputado estadual, distrital ou federal; ela não vale para os candidatos e candidatas ao Senado, aos governos estaduais e à Presidência da República
- Nas cidades com mais de 100 mil eleitores e nos estados em que o número total de vagas de deputados para a Câmara dos Deputados ou as assembleias for maior do que 12, cada partido pode apresentar um número de candidaturas que represente no máximo 150% do total de vagas; dessas, pelo menos 30% tem que ser de candidatas mulheres
- Nas cidades com menos de 100 mil eleitores e nos estados em que o número total de vagas de deputados para a Câmara dos Deputados ou as assembleias for de até 12, cada partido pode apresentar um número de candidaturas que represente no máximo 200% do total de vagas; dessas, pelo menos 30% tem que ser de candidatas mulheres
- Em todos os casos, cada sexo só pode representar no máximo 70% dos pedidos de registro de candidatura de cada partido, ou seja, tanto os candidatos homens quanto as candidatas mulheres devem representar entre 30% e 70% do total de candidaturas
- A cota vale apenas para o total de pedidos apresentados no registro de cada partido isolado ou coligação, e não o total de pedidos considerados aptos pela Justiça Eleitoral, por causa do calendário eleitoral
G1