Uma pesquisa pioneira identificou que 17% dos pacientes que sofreram a Síndrome de Guillain-Barré, internados em Teresina, foram infectados pela bactéria intestinal Campylobacter jejuni, que pode ser transmitida pelo consumo de água não tratada e de alimentos mal preparados. O estudo, realizado por pesquisadores do Piauí em parceria com o Instituto Evandro Chagas, foi publicado em janeiro deste ano na revista científica American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, especializada na área.
“Nós demostramos pela primeira vez que no Piauí essa bactéria também tem papel causando diarreia e, dias da semana depois (da diarreia), podendo levar aos inicios dos sintomas neurológicos da síndrome. Todos os estudos anteriores mostraram que o principal gatilho para a síndrome era uma infecção intestinal causada por uma bactéria chamada Campylobacter jejuni, que não era identificada em pacientes no Brasil até então”, comentou o neurologista e pesquisador Marcelo Vieira, que é um dos responsáveis pelo estudo.
“Estudos anteriores em outros países mostraram que em até 70% dos casos (da síndrome) eram deflagradas por essa bactéria, o percentual encontrado no Piauí foi bem menor, de 17%, e isso aponta, provavelmente, para a questão que no Estado outros agentes tenham papéis mais importantes como, por exemplo, as viroses transmitidas por mosquitos, como Dengue, Zika e Chikungunya. Nós ainda não podermos confirmar isso, mas comparando-se a positividade encontrada no Piauí com a encontrada em estudos de outros países a gente pode inferir que isso seja uma possibilidade”, ressaltou o especialista.
Marcelo Vieira explicou que a Síndrome de Guillain-Barré é uma doença autoimune: “o indivíduo tem uma infecção por uma virose, infecção bacteriana, e o organismo desenvolve uma reação imune, produz anticorpos, substâncias, para eliminar aquele vírus, aquela bactéria. Em algumas pessoas, esse sistema falha. Em vez de eliminar esse vírus, bactéria, o sistema passa a reconhecer”.
Em entrevista ao Jornal do Piauí, nesta segunda-feira (26), o neurologista também alertou que, muitas vezes, o aumento dos casos de infecções diarreicas está relacionado ao saneamento básico precário em alguns estados e do desenvolvimento socioeconômico negligenciado em muitos países.
A pesquisa também apontou que o número de casos de Síndrome de Guillain-Barré no Piauí permanece menor do que seria esperado pela incidência da doença estimada por estudos internacionais. A incidência estimada por estudos científicos internacionais são de 1 a 2 casos para cada 100.000 hab/ano; já a incidência no Piauí é de 0,7 caso por 100.000 hab/ano, ou seja, menos de um caso para cada 100 mol habitantes.
“A gente não sabe se isso se deve ao subdiagnóstico ou a subnotificação ou se corresponde a realidade. Eu acredito que ele esteja subestimado”, ressaltou o pesquisador.
A Síndrome
A característica principal da Síndrome de Guillain-Barré é a fraqueza muscular: “o paciente vai perdendo a força, inicialmente, nas pernas, depois nos braços podendo chegar até mesmo a perder a força de engolir e de respirar. Em menos de 10% o paciente pode ir a óbito. 70% dos pacientes recuperam praticamente por completo (os movimentos), mas os outros 30% podem ficar com sequelas de fraqueza, atrofia ou perda de sensibilidade nos dedos, nas mãos, nos pés”, disse o especialista.
A Síndrome de Guillain-Barré é uma complicação rara da infecção por Campylobacter jejuni. Nesta condição, de algum modo a bactéria induz o sistema imunitário do indivíduo a atacar seus próprios nervos, causando fraqueza e paralisia. A complicação neurológica geralmente ocorre dentro de uma a seis semanas após a diarreia e acomete apenas um em cada 3.000 indivíduos que sofrem a infecção intestinal pela bactéria.
A bactéria
Campylobacter jejuni é uma das principais causas de diarreia com disenteria – aquela em que o paciente apresenta febre e cólicas abdominais e evacua fezes contendo muco ou sangue. A infecção costuma ser autolimitada e acomete mais em crianças menores, adultos jovens e pacientes com baixa imunidade.
O uso de antibióticos não é necessário na maioria dos casos e os cuidados devem manter o foco na reidratação oral do indivíduo. A transmissão ocorre através da ingestão de água não tratada, leite cru ou carne mal cozida. Portanto, a prevenção passa pelos cuidados de higiene ao manipular carne crua e por consumir apenas água tratada, fervida ou filtrada, carnes bem cozidas ou assadas e leite fervido ou pasteurizado. Diferente das diarreias causadas por vírus veiculados por moscas, a campilobacteriose não ocorre em epidemias, mas sim em pequenos agregados de indivíduos que consumiram a mesma água ou o mesmo alimento.
Cidade Verde