O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu descartar a proposta de criação de um fundo de estabilização para interferir diretamente no preço de combustíveis, e o ministro Paulo Guedes (Economia) quer agora tentar limitar o corte de tributos e desonerar apenas o diesel.
A criação do fundo já vinha sendo alvo de divergências entre duas alas do governo. A Casa Civil, de onde partiu a ideia de redução dos tributos federais sobre os combustíveis, se alinhou à posição de Guedes em ser contra a iniciativa.
Já no caso da desoneração ampla de tributos sobre os combustíveis e energia elétrica, o ministro da Economia recuou de seu apoio inicial à medida, que poderia custar cerca de R$ 70 bilhões aos cofres da União, e defendeu algo localizado.
Após sucessivos alertas de técnicos de sua pasta, o ministro busca emplacar um corte de alíquotas apenas no diesel, o que reduziria o impacto a cerca de R$ 20 bilhões.
Uma nova reunião entre técnicos deve ser realizada nesta sexta-feira (28) para analisar os números e avançar nas discussões.
Nas negociações, Guedes alegou que o fundo de estabilização é inviável, dado seu custo elevado e sua ineficácia. Já a Casa Civil considera impraticável implementar a medida agora.
Em outra frente, os ministros Onyx Lorenzoni (Trabalho), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Bento Albuquerque (Minas e Energia) vinham insistindo na reserva de recursos para atacar a alta do preço do diesel.
A Casa Civil, comandada por Ciro Nogueira, avisou ao presidente que acha difícil a ideia sair do papel.
Mais do que se aliar a Guedes, Nogueira quer focar no ponto principal da proposta, que é promover a redução dos tributos federais e evitar ruídos, avaliam integrantes do governo.
O ministro da Economia inicialmente encampou o desejo de Bolsonaro de cortar tributos e não se opôs à ideia, segundo seus interlocutores. A avaliação no círculo mais próximo de Guedes era a de que não dá para “cruzar os braços” diante do risco de um pico de inflação no auge da campanha eleitoral.
Nos últimos dias, porém, técnicos intensificaram os argumentos a Guedes de que a perda de arrecadação é significativa, enquanto os benefícios são rapidamente anulados por outros reajustes.
Integrantes da equipe de Guedes lembram que, em maio de 2018, o governo Michel Temer (MDB) reservou quase R$ 10 bilhões para bancar um desconto de R$ 0,46 no preço do litro do diesel, em reação à greve dos caminhoneiros. Os preços caíram em junho, mas voltaram a subir no mês seguinte.
Por isso, a medida está longe de ser uma unanimidade entre integrantes da equipe econômica. Entre os que se opõem, é dito que as discussões continuam e só serão encerradas com a efetiva publicação da medida no DOU (Diário Oficial da União).
O fundo, por sua vez, já enfrentava oposição ferrenha de toda a equipe econômica, que considera o mecanismo uma verdadeira interferência nos preços, com chances elevadas de ser um fracasso.
Os royalties de petróleo, que poderiam bancar o mecanismo, alcançaram patamar recorde em 2021 -de R$ 39,6 bilhões. Mesmo assim, a equipe econômica se mantém contra a ideia e diz que ela apenas jogaria dinheiro fora diante da escalada dos preços no mercado internacional.
Técnicos argumentam que, como o mercado de combustíveis é muito grande, as empresas poderiam ampliar os reajustes ou suas margens de lucro, apostando que o governo faria de tudo para conter os aumentos para consumidores.
Na prática, segundo integrantes da equipe econômica, o custo de bancar a investida pode subir a níveis hoje difíceis de serem previstos até mesmo pelos técnicos do governo.
Os ministros defensores, por sua vez, alegavam que a perspectiva de elevação dos preços do petróleo no mercado internacional -incorporados pela Petrobras em sua política de preços- exige do governo uma atitude que vá além do corte de tributos.
A combinação de medidas, segundo a ala favorável, seria decisiva para atingir o alívio pretendido no bolso dos consumidores sem intervir na Petrobras. No governo Dilma Rousseff (PT), a contenção artificial de reajustes pela companhia arranhou sua reputação e mobilizou investidores a processarem a empresa, em busca de ressarcimento pelos prejuízos.
Para a operação do fundo, a ala entusiasta defendia a destinação não só de royalties de petróleo, mas também de participações especiais e dividendos da Petrobras. São receitas que hoje já entram no caixa único do Tesouro Nacional, que ficaria desfalcado.
A criação do fundo também enfrentava outro entrave técnico: a despesa associada à medida precisaria ficar fora do alcance do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação.
Guedes não quer mexer no teto porque considera um movimento extremamente arriscado em ano eleitoral.
Em 2021, a tramitação da PEC dos Precatórios, enviada inicialmente para adiar o pagamento de dívidas judiciais, acabou também mudando a correção da regra, em um processo que gerou ruídos junto ao mercado financeiro e impulsionou dólar e juros.
Uma nova mexida no teto poderia ampliar as incertezas em um ano já turbulento por causa das eleições.
O temor da equipe econômica é que o Congresso aproveite o texto para fazer mudanças mais amplas, sem que o governo tenha poder de veto. O texto de uma emenda constitucional, após aprovado em dois turnos na Câmara e no Senado, é promulgado diretamente pelo Legislativo.
Por esse motivo, a própria decisão de tratar da redução dos tributos via PEC está sendo criticada pelos técnicos da área econômica, que temem perder as rédeas da negociação.
No Palácio do Planalto, por sua vez, a opção pela PEC é para evitar que a medida seja usada contra a candidatura de Bolsonaro nas eleições, uma vez que a lei eleitoral proíbe a concessão de novos benefícios no ano de realização do pleito.
A ala política do governo quer acelerar a aprovação da PEC e pretende fechar o texto na semana que vem. A ideia em discussão é que a proposta contenha gatilhos para o corte tributário, a serem disparados em caso de os preços chegarem a determinado nível, por exemplo -embora o mecanismo exato ainda esteja em estudo.
A proposta será apresentada por um parlamentar no Senado. A ideia inicial é que seja Alexandre Silveira (PSD), diretor jurídico da Casa e suplente de Antônio Anastasia (PSD-MG), que foi indicado ministro do TCU (Tribunal de Contas da União).
Segundo auxiliares palacianos, o governo vai encampar a medida via Legislativo em razão do ano eleitoral, para evitar questionamentos de que houve ações com o objetivo de angariar votos.
Fonte: Folhapress