Servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) reuniram em um documento, nesta sexta-feira (19), uma série de denúncias de assédio e interferência, em meio à crise vivida pelo órgão. Na lista, está “possível intervenção e risco ao sigilo” na prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021, marcada para este domingo (21).

O documento, de 36 páginas, foi compilado pela Associação dos Servidores do Inep (Assinep) e entregue a entidades e órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU).

Segundo os servidores, o instituto vive uma “crise sem precedentes, com perseguição aos servidores, assédio moral, uso político-ideológico da instituição pelo MEC e falta de comando técnico no planejamento dos seus principais exames, avaliações e censos”.

Questionado sobre o relatório, o Inep não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem. Ao todo, o documento foi entregue para:

  1. Comissão de Educação da Câmara do Deputados
  2. Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado Federal
  3. Frente Parlamentar Mista da Educação
  4. Frente Servir Brasil
  5. Tribunal de Contas da União
  6. Controladoria-Geral da União
  7. Ouvidoria do INEP
  8. Comissão de Ética do INE

 

Risco ao sigilo do Enem

 

Sede do Inep em Brasília.  — Foto: Carolina Cruz/g1

Sede do Inep em Brasília. — Foto: Carolina Cruz/g1

Uma das denúncias apontadas diz respeito ao risco de quebra de sigilo e de intervenção ideológica no Enem deste ano, organizado pelo Inep. Segundo o documento, desde as eleições presidenciais de 2018, se vê “uma diretriz do presidente da República [Jair Bolsonaro] para indução ideológica no exame, com críticas reiteradas a diversas questões […]”.

Os servidores citam declarações do presidente e do ministro da Educação, Milton Ribeiro, que disseram que o Enem agora teria “a cara do governo”. Ambos negam acesso à prova.

Segundo o dossiê, “depoimentos de servidores indicam pressão política oriunda da presidência do órgão para retirada de questões, sem motivo idôneo, como relatado na imprensa”. Os servidores pedem que haja uma investigação para determinar se houve acesso de pessoas alheias ao processo de montagem da prova e se existiu pedido de retirada de questões.

“Além da quebra de sigilo, a censura a questões por motivos sem fundamento estatístico-pedagógico representa desvio de finalidade – implicando nulidade do ato administrativo”, diz o documento.

Interferência em exames

No relatório, a Assinep também afirma que, além do Enem, há desconsideração de critérios técnicos no planejamento e execução de outras provas de responsabilidade do órgão, como o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida).

“Infelizmente, há repetidos exemplos de situações que indicam aparente desconsideração imotivada dos fundamentos técnicos em favorecimento a medidas de apelo político ou ideológico, colocando em risco o atendimento às atribuições legais do instituto.”

Entre os exemplos, o documento cita escolha de profissionais em discordância com os procedimentos de praxe no planejamento do Revalida, invasão de competências e até apagamento de dados contrários ao posicionamento da presidência do Inep.

Denúncias de assédio

Os servidores denunciam ainda terem sido submetidos a “procedimentos constrangedores”, sobrecarga de trabalho, jornadas acima de oito horas diárias e atuação aos fins de semana, além de “clima de insatisfação e adoecimento”, rotatividade de profissionais e “dificuldade de reter pessoal em virtude do aquecido mercado de tecnologia da informação”.

Segundo o documento, “desde situações macro como pronunciamentos públicos da Presidência da República e do Ministro de Estado da Educação, até no âmbito interno de gestão, há um aparente processo de silenciamento, criação de barreiras burocráticas, alongamento de processos e intervenções não fundamentadas de assessorias presidenciais sobre as áreas técnicas“.

“Estes procedimentos, alguns com aparência de legalidade quando isolados, se acumulam para criar um clima organizacional de insegurança e de ataques à capacidade dos servidores de desempenharem as funções do Inep.”

Crise no Inep

 

Exclusivo: servidores do Inep detalham tentativas de interferência no conteúdo do Enem

Em meio à crise, o presidente do Inep foi ao Senado, na quarta-feira (17), após ser convidado a prestar esclarecimentos. Sobre a interferência no exame, Dupas disse que ele e o ministro da Educação não tiveram “em nenhum momento acesso às provas”.

Danilo Dupas, presidente do Inep, instituto responsável pelo Enem — Foto: Divulgação/Ministério da Educação

Danilo Dupas, presidente do Inep, instituto responsável pelo Enem — Foto: Divulgação/Ministério da Educação

Sobre as acusações de ter supostamente barrado itens que comporiam o Enem, Dupas disse as provas foram montadas pela equipe técnica e que é comum a troca de questões durante a montagem paga garantir o nível do exame.

“As provas foram montadas pela equipe técnica, seguindo a mitologia que vem sendo adotada, a teoria de resposta ao item (TRI). A prova possui um conjunto de questões de diversos níveis de dificuldade que são calibradas para garantir um certo nível de prova. É comum, portanto, que durante a montagem da prova, tenha itens que são retirados e itens que são colocados, justamente para garantir um nivelamento das provas.”

Dupas também comentou sobre a afirmação feita pelo presidente Jair Bolsonaro de que as questões do Enem começavam a “ter a cara do governo” e declarou que não houve interferência da presidência na formulação do Enem.

“Não houve interferência alguma do Palácio do Planalto, não houve. A cara do nosso governo — da nossa gestão, no caso do senhor ministro Milton Ribeiro –, é seriedade e transparência. Não houve interferência alguma do Palácio do Planalto em decidir ou escolher qualquer item da prova ou tema da redação.”

No dia seguinte à declaração do presidente, o ministro da Educação declarou não haver interferência do governo na prova – e atribuiu os pedidos de demissão ao pagamento de gratificações. A entidade que representa funcionários negou que a discussão tivesse interesse financeiro por trás.

G1