A detecção de bactérias resistentes a antibióticos, no mínimo, triplicou durante a pandemia de Covid-19; é o que afirma o estudo feito com base em amostras recebidas pelo Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), referência na vigilância de bactérias resistentes a antibióticos, conhecidas como ‘superbactérias’.
“Em 2019, o laboratório recebeu um pouco mais de mil amostras de superbactérias de diversos estados para análise aprofundada. Em 2020, primeiro ano da pandemia, o número passou para quase 2 mil. Em 2021, apenas no período de janeiro a outubro, o índice ultrapassa 3,7 mil amostras confirmadas, um aumento de mais de três vezes em relação a 2019, período pré-pandemia”, explicou a Fiocruz.
A Fundação afirma que durante o período de emergência sanitária no Brasil, provocado pela Covid-19, aumentou-se o volume de pacientes internados em estado grave e por longo período, mais suscetíveis ao risco de infecção hospitalar. Com isso, teve o aumento no uso de antibióticos, o que eleva a pressão seletiva sobre as bactérias.
“É um cenário que favorece a disseminação da resistência, agravando ainda mais um problema de alto impacto na saúde pública. Chamar a atenção para esse dado é fundamental, uma vez que o uso indiscriminado de antibiótico prejudica o tratamento de uma série de doenças bacterianas. As infecções causadas por superbactérias geralmente são associadas à alta mortalidade”, afirma a chefe do Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar, Ana Paula Assef.
De acordo com a pesquisadora, o aumento do uso de antibióticos nos hospitais durante a emergência sanitária tem sido apontada em pesquisas no Brasil e no exterior, com alguns trabalhos sugerindo prescrição exagerada.
Um estudo internacional publicado em janeiro, por exemplo, identificou tratamento com antibióticos em mais de 70% dos pacientes internados por Covid-19. Em contrapartida, a presença de coinfecções causadas por bactérias foi estimada em 8%.
Alta prescrição de antibióticos
Em agosto, a Anvisa publicou uma Nota Técnica com orientações para prevenção e controle da disseminação de bactérias resistentes em serviços de saúde no contexto da pandemia.
O texto reforça que os antibióticos não são indicados no tratamento de rotina da Covid-19, já que a doença é causada por vírus e esses medicamentos atuam apenas contra bactérias, explica a Fiocruz. Dessa forma, os fármacos são recomendados apenas para os casos com suspeita de infecção bacteriana associada à infecção viral.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que superbactérias causam cerca de 700 mil mortes anualmente.
“Bactérias como Acinetobacter e Pseudomonas são oportunistas, causam infecções em pacientes internados, com saúde debilitada. Quando esses microrganismos apresentam resistência, muitas vezes, não se consegue controlar a infecção e há risco de óbito. Esse já era um grande problema antes da Covid-19 e, agora, estamos evidenciando uma piora neste quadro”, diz Ana Paula.
A pesquisadora ressalta que, além do risco individual para os pacientes, o espalhamento da resistência aos antibióticos representa uma ameaça global, já que a capacidade de tratar infecções, considerada uma das maiores conquistas da medicina moderna, pode ser perdida no futuro.
“É importante que as pessoas entendam que os antibióticos só atuam contra bactérias e não têm efeito contra vírus ou qualquer outro microrganismo. Não se pode tomar antibiótico por indicação de conhecido ou familiar. Para que esses medicamentos continuem eficazes, eles devem ser usados com critério, apenas com prescrição médica. O paciente precisa seguir a receita de forma irrestrita, com a quantidade de dose e duração da administração exatas”, enfatiza a microbiologista.
CNN