Desde que imagens de cremações coletivas na Índia e o descontrole da pandemia de covid-19 causado pela Delta ganharam o mundo, pesquisadores, gestores e profissionais da linha de frente estão em alerta para os impactos no Brasil dessa variante do coronavírus, que é mais transmissível. Quatro meses após os primeiros registros da mutação do Sars-CoV-2 no País, especialistas dizem que ainda é cedo para dizer que a ameaça foi vencida, mas avaliam que o avanço da vacinação e a manutenção das máscaras têm retardado, por enquanto, a disseminação.

Na Europa, nos Estados Unidos e em Israel, a variante Delta provocou alta de internações e freou planos de reabertura econômica. Estudos já mostraram que uma dose das vacinas da Pfizer e da AstraZeneca, por exemplo, é insuficiente para proteger contra a cepa, mas duas injeções têm eficácia. Os primeiros casos da Delta no Brasil foram detectados na tripulação de um navio de Hong Kong ancorado no Maranhão em maio Até o dia 4 de setembro, o Brasil registrou 3.290 casos, em 21 Estados.

O virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale e coordenador da Rede Corona-ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), explica que mais de um fator fez com que um novo colapso, como o causado pela variante Gama – também mais transmissível e identificada originalmente em Manaus – não ocorresse no Brasil. “Por enquanto, é uma conjunção entre a imunidade dada pela vacina, que é uma imunidade recente, algo muito relevante, porque sabemos que tem uma tendência de queda da imunidade protetora com o passar do tempo, e o surto de proporções estrondosas no primeiro semestre com Gama, que pode ter causado uma imunidade também”, explica. Entre março e maio, o Brasil chegou a ser o epicentro da pandemia no mundo, com superlotação de UTIs, falta de oxigênio hospitais e remédios e escalada de óbitos.

Mesmo que a vacinação tenha sido iniciada com atraso em relação aos outros países, o ritmo acelerado de imunização com as doses disponíveis acaba sendo um diferencial do Brasil em relação a outros países que ainda enfrentam entraves para a vacinação da população, que incluem até a baixa adesão por hesitação vacinal. É o caso dos Estados Unidos, onde uma nova onda do vírus tem aproximado o balanço diário de vítimas de 2 mil registros.

No entanto, apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) ter a capacidade de vacinar em locais remotos e em grandes centros, a adesão ao esquema vacinal completo precisa ser intensificada e, com a alta transmissibilidade da Delta, é possível que os índices de vacinação para que a população esteja mais protegida contra a doença tenham de ser mais altos do que o que era imaginado. “A gente evoluiu mais rápido para a segunda dose. Ter 30% a 40% da população totalmente vacinada não explica completamente o que vem acontecendo com a Delta, mas tem um efeito. Mas este é um limite que exige cautela e precisa evoluir”, alerta Spilki.

Para João Gabbardo, coordenador Executivo do comitê científico que assessora o governo paulista, a vacinação teve impacto importante para evitar uma explosão de casos, assim como o fato de o País ainda manter a obrigatoriedade do uso de máscaras e de distanciamento social. “O Brasil, diferentemente de outros países, não tinha dispensado o uso de máscaras e liberado aglomerações. Os outros países festejaram antes da hora, comemoraram o gol antes de terminar o jogo.” O governador João Doria (PSDB) já sinalizou que pretende manter a exigência da proteção facial até o fim do ano.

Fonte: Estadão Conteúdo