O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira (10) que pediu ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, um “parecer” para desobrigar o uso de máscaras por quem estiver vacinado contra a Covid ou por quem já tiver contraído a doença.

O ministro informou ter recebido do presidente o pedido de um estudo sobre as máscaras, mas especialistas ouvidos pelo G1 consideram a medida uma temeridade neste momento crítico da pandemia de Covid no Brasil (leia mais abaixo).

Bolsonaro deu a declaração no Palácio do Planalto, ao discursar durante solenidade de lançamento de programas do Ministério do Turismo. O presidente usou máscara antes e depois do evento — ele só retirou a proteção para discursar.

“Acabei de conversar com um tal de Queiroga — não sei se vocês sabem quem é —, nosso ministro da Saúde. Ele vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados. Para tirar esse símbolo, que obviamente tem a sua utilidade para quem está infectado”, declarou.

Depois de participar do evento no Planalto, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo em uma rede social e voltou a falar no assunto.

Durante a transmissão, disse que não impôs ‘nada’ ao ministro da Saúde, mas que pediu o estudo sobre as pessoas poderem transitar sem máscara.

“Eu falei com o Queiroga agora. Não impus nada a ele. Se bem que também tenho que dar minhas piruadas aí, no bom sentido. ‘É possível a Saúde apresentar um estudo aí da desobrigatoriedade da máscara para quem já foi vacinado ou para quem já foi contaminado e curado, poxa?’. Ele falou: ‘É possível, é possível’. Vamos fazer isso. Vamos ficar reféns de máscara até quando? Está servindo para multar gente, pessoal. Está servindo para multar. Eu fui ameaçado agora de multa em São Paulo”, declarou.

Bolsonaro já ficou sem máscara e criticou uso

De acordo com dados do consórcio de veículos de imprensa, 11,06% da população receberam a segunda dose da vacina contra a Covid até esta quarta-feira (9) — 24,48% receberam somente a primeira dose. No total, até esta quinta, o Brasil tinha mais de 480 mil mortos por Covid, segundo o consórcio, e 17,1 milhões já tinham contraído a doença.

Em outras ocasiões, Bolsonaro já demonstrou não ter apreço pelas máscaras como forma de proteção contra a Covid.

Em fevereiro, ele usou uma enquete alemã distorcida para criticar o uso de máscaras. Em agosto do ano passado, contrariando a opinião da maioria dos cientistas e especialistas, ele disse a apoiadores que a eficácia de máscara é “quase nenhuma”. Um mês antes, havia vetado parte de uma lei que estabelecia o uso de máscaras em locais públicos — vetou a obrigação no comércio, em escolas, igrejas e templos.

No discurso no Planalto, Bolsonaro também repetiu a pregação que costuma fazer contra o isolamento social. Disse que provoca depressão, fome, violência doméstica e elimina empregos.

“A quarentena é para quem está infectado, não é para todo mundo. Isso destrói empregos, mata de outra forma o cidadão, mata de fome, de depressão, aumenta violência em casa, abuso contra criança.”

Especialistas contestam

Para especialistas ouvidos pelo G1 a proposta do presidente é uma temeridade. Eles defendem que, mesmo após vacinadas, as pessoas precisam usar máscara e evitar aglomerações.

“A vacina tem boa eficácia em evitar que a sua doença acabe se agravando e você precise até de hospitalização, mas ela não tem tão boa eficácia em evitar que você se contamine”, explicou a médica infectologista Luana Araújo em vídeo gravado para o G1.

“Então, enquanto a gente não tem uma boa parte de população plenamente vacinada, é preciso sim usar máscara, evitar aglomerações e preferir ambientes naturalmente ventilados”, disse.

O médico Drauzio Varella afirmou que mesmo os vacinados podem transmitir o novo coronavírus para outras pessoas.

“Você entra em contato com o vírus. O vírus fica nas suas fossas nasais, não vai ficar doente, mas vai poder levar o vírus para dentro de casa para as pessoas que você mais ama. Então, a vacina é uma grande utilidade”, declarou no último dia 12 de maio em podcast do programa Fantástico.

“Ela [a vacina] vai nos livrar do coronavírus, mas não é porque estou vacinado ou porque você está vacinado que você fala: ‘Agora liberou geral”. Infelizmente, não. A gente tem que continuar agindo com responsabilidade”, disse.

Munir Ayub, membro do Comitê de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor de Infectologia da Faculdade de Medicina do ABC, afirmou que “não existe essa possibilidade” de se prescindir do uso da máscara no atual estágio da pandemia.

“Não tem nenhum sentido. É uma orientação apenas política porque não tem nenhuma justificativa médica para isso. Mesmo a pessoa que já teve ou que já foi vacinada não está livre de se reinfectar. Enquanto estiver circulando o vírus neste nível alto, não existe essa possibilidade. Neste momento é temerário”, disse.

Para Renato Grinbaum, infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia, o anúncio de Bolsonaro é “completamente fora do aceitável”.

“Não existe nenhuma lógica para suspender uso de máscaras. A vacina previne bem as formas graves, mas não é uma ferramenta tão poderosa para evitar infecções leves e transmissão. No momento em que se discute aumento de casos em algumas regiões e a possibilidade de terceira onda, este tipo de proposta é completamente fora do aceitável.”

Segundo Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19, “não há possibilidade de isso ser cogitado neste momento”.

“Nós não somos os EUA que estão vacinando em larga escala e com um cenário bem diferente do nosso. Nós não somos Israel ou outros países europeus que já estão em outro cenário da pandemia”, afirmou.

“Temos uma lei federal sancionada para o uso de máscaras”, disse, em referência à lei nº 14.019.

O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, afirma que não é possível comparar a situação do Brasil com a dos Estados Unidos.

“Não há a menor justificativa para isso na situação atual do Brasil. Na comparação com os Estados Unidos, são situações epidemiológicas completamente distintas. Aqui temos baixa cobertura vacinal, alta taxa de infecção e circulação viral. Além disso, estamos no inverno, quando as infecções respiratórias aumentam. Exatamente o contrário dos EUA”, disse o infectologista.

Fonte: G1