Após repercussão negativa do caso da blogueira Mariana Ferrer, abriu-se a discussão sobre um tema que passa invisível em diversos âmbitos da sociedade: a violência institucional. Seja no judiciário, nas maternidades ou em delegacias de polícia, muitas mulheres, nas mãos majoritárias dos homens, veem seus casos relativizados por autoridades.

Mariana foi humilhada em audiência judicial e culpabilizada pelo próprio estupro. O crime foi relativizado pela equipe que acompanhava o caso, e o acusado de estupro, o empresário André Aranha, permanece em liberdade. A expressão “estupro culpso”, proferida na audiência virtual, foi aos treding topics do Twitter.

Diante da repercussão deste tipo de violência que acontece historicamente no Brasil, deputadas federais querem uma lei para tornar crime a violência institucional cometida por agente público. O projeto protocolado na última quarta-feira (4) alteraria a lei de Abuso de Autoridade estipulando pena de 3 meses a 1 ano de cadeia e multa.

As parlamentares Flávia Arruda (PL-DF), Soraya Santos (PL-RJ) e Margarete Coelho (PP-PI) argumentam que o tratamento à blogueira causou indignação, uma vez que ela foi ridicularizada perante o juiz e o Ministério Público, que não interferiu. O advogado do acusado expôs fotos sensuais e disse que o choro de Mariana Ferrer era falso e dissimulado.

A blogueira acusa o empresário André Camargo Aranha de estupro, que foi inocentado após o juiz concluir não haver provas suficientes para condená-lo. O texto do projeto de lei diz que a violência institucional ocorre quando “o agente público, pela ação ou omissão, prejudica o atendimento á vítima ou testemunha de violência ou causem sua revitimização”.

PL deve ser aprovado até o final do ano

Para Margarete Coelho (PP-PI), este tipo de violência ocorre em diversos âmbitos. “O que nós vemos é que muitas vezes as instituições democráticas, que deveriam defender as vítimas, falham. Como falharam no caso de Mariana Férrer. Temos violência também no sistema de saúde, onde mulheres negras morrem mais que as brancas. Percebemos que as mulheres não estão indo às delegacias porque elas são apontadas como causadoras das violências que sofreram. É preciso definir e tipificar esse crime, que deve ser mais grave que qualquer violência provocada por terceiros”, revela.

As deputadas querem que o PL seja aprovado ainda em 2020. “A ideia é que esse ano ainda votemos um pacote em favor das mulheres. São diversos questões, como a violência política. Elas são assediadas, agredidas, xingadas quando estão na vida política. O projeto de lei, ao ser anunciado, recebeu um bombardeio de um grupo chamado ‘Macho Escroto’. Atacaram minhas redes sociais. Encaminhamos ao presidente da Casa, que percebeu que não é ‘mimimi’. É uma violência que está no cotidiano. Queremos votar a quota de cadeiras de mulheres na Casa, não apenas em Brasília. Hoje temos metade dos municípios sem nenhuma mulher, e um terço nunca teve uma mulher no poder. Vamos resolver dentro da máxima de Marilena Chauí: quem não tem poder não tem direito. Vamos votar a violência política e a institucional”, promete a parlamentar.

A própria deputada foi achincalhada pelo grupo de tom machista e preconceituoso. “Recebi mensagens pornográficas, ameaçadoras e agressivas. Não dá para engolir que uma instituição, a serviço da justiça, diga que um estupro não foi intencional. Existe castração não intencional?”, questiona Coelho.

Uma herança do patriarcalismo

Para Marcela Barbosa,  professora, socióloga e pesquisadora nas áreas de violência de gênero e geração, culpar a mulher pela própria violência é uma herança do patriarcalismo. “A maioria dos agressores e uma parcela da sociedade ainda tendem a culpabilizar as mulheres pelos tipos de violência sexual sofrida, seja pelo estilo de roupa e/ou comportamento, corpo, lugares, uso de bebida alcoólica, como se essas atitudes fossem justificativas para a violência sofrida pelas mulheres. Podemos destacar que a objetificação sobre o corpo da mulher e a fragilidade do seu poder no espaço público ainda corroboram para que estejam submetidas a um tipo de dominação masculina, muitas vezes associadas a práticas de violência”, considera.

Marcela Barbosa, socióloga – Foto: Raissa Morais /JMN

As práticas machistas, sexistas, misóginas, ainda são produzidas pela cultura patriarcal. “Assim, favorecendo uma relação de dominação-exploração sobre as mulheres. As práticas de cunho machista existem em todas as partes do mundo, sendo que alguns países acontecem de forma mais efervescente do que em outros. A globalização, alimentada pela internet e as redes sociais possibilitou maior visibilidade para os casos de violência contra as mulheres, no tocante a divulgação de casos, constrangimentos, perseguições e ameaça nas redes sociais, dentre outras. Além de proporcionar uma mobilização entre grupos de mulheres, em defesa dos seus direitos”, acrescenta a estudiosa de gênero.

Marcela afirma que as mulheres não devem ceder. “É uma luta diária, que não podemos desanimar. A conscientização sobre a importância, respeito e valorização das mulheres é um passo bastante significativo.  Deixar claro que NÃO É NÃO. Conhecer os direitos que nos assiste, lutar para que eles sejam colocados em práticas, conquistar diferentes espaços  de atuação , fazer denúncia aos órgãos de proteção e defesa das mulheres, quando for necessário, sensibilizar homens sobre a importância da equidade de direitos,  orientar  nova gerações a  não reproduzirem  práticas que favoreçam  a desigualdade de gênero, já é um passo bastante promissor”, finaliza.

Fonte: Meio Norte