Em seus primeiros dias no cargo, o ministro Nelson Teich (Saúde) dispensou o colete do SUS, privilegiou dados que neutralizam o impacto do coronavírus e passou a adaptar o discurso sobre o isolamento social.

Parte dos movimentos indica uma tentativa de descolar a nova gestão das propostas do antecessor, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Nas primeiras falas, o ministro buscou reforçar sinais de alinhamento ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Teich chegou a dizer que o país “não sobrevive um ano parado”. Ele reforçou que a pasta entregaria, em uma semana, diretriz que traria “plano de saída” do isolamento em alguns estados e municípios. Também negou que o país enfrente crescimento explosivo de casos. Até sexta-feira (1º), eram 6.329 mortes e mais de 91 mil casos confirmados.

Porém, duas semanas após assumir o cargo, pressionado por congressistas, governadores e os próprios números da nova doença, Teich já dá sinais de mudanças no discurso. Enquanto ainda frisa a intenção de ter novos parâmetros de combate à Covid-19, ele afirma agora que a pasta nunca mudou de posição sobre o distanciamento social. Teich diz ainda que eventual liberação de atividades econômicas não deverá ocorrer enquanto as curvas de casos e mortes estiverem em alta.

Ao mesmo tempo, tenta se ajustar às demandas de Bolsonaro. Uma das mudanças mais visíveis ocorreu no formato de divulgação dos dados da epidemia da Covid-19. As entrevistas diárias ao lado da equipe técnica rarearam.

Os gestores da Saúde agora fazem apresentações em dias intercalados. Até agora, foram três entrevistas –uma delas de 17 minutos de duração, e outras com menos de uma hora. Com Mandetta, chegavam a durar mais de duas horas. Em outros dias, Teich tem participado de anúncios no Planalto. No entanto, ele não detalha os números diários.
Com a troca no comando, o ministério passou a dar força à divulgação de dados considerados positivos sobre a epidemia, como o total de recuperados e comparações com outros países em pior situação.

Em contrapartida, retirou dados que traziam alerta para o avanço da doença. Um deles é a classificação da incidência de casos em estados e capitais em parâmetros de emergência, atenção e alerta. No lugar, a pasta tem divulgado apenas dois mapas que apontam áreas mais atingidas.

Balanço com a evolução do total de mortes por faixa etária e fatores de risco saiu de cena. Agora o ministério divulga gráficos com a data das mortes, na tentativa de mostrar que havia casos anteriores.

A medida, no entanto, acabou por revelar outro ponto preocupante: o atraso no diagnóstico no país e o alto número de registros recentes. A Folha de S.Paulo procurou Teich para comentar os primeiros dias de gestão. Ele não retornou as ligações e mensagens. Na terça-feira (28), em meio a críticas por não ter comentado os números, que naquele dia apontavam 474 mortes, Teich chamou a imprensa.

No mesmo dia, Bolsonaro, quando questionado sobre o fato de o Brasil ter superado a China em número de mortes, havia dito “e daí?”. Teich admitiu pela primeira vez então que havia uma tendência de agravamento da doença. Ainda assim, frisou que a piora era restrita a algumas regiões. A situação marcou o início de mudança no discurso. Até então, ele vinha evitando dar respostas assertivas. Ainda repete, com frequência, que está analisando a situação.

A demora na apresentação de medidas efetivas tem gerado críticas. Em carta enviada ao ministro na quinta-feira (30), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência cobrou plano e informações sobre leitos e respiradores. “Se nada for feito nos próximos dias, os pronunciamentos do ministério se resumirão a informar o número de mortos”, diz o documento subscrito por 60 entidades.

Enquanto é cobrado por respostas, o ministro tem derrapado em algumas propostas. Em uma delas, anunciou 46 milhões de testes, mas não divulgou cronograma de entrega ou como seriam realizados. Também passou a enfrentar críticas de secretários de Saúde pela dificuldade de diálogo. Só na quarta-feira (29), ao ser cobrado, fez a primeira reunião com conselhos de secretários estaduais e municipais de Saúde. Antes, as reuniões eram diárias.

“Houve um lapso entre a saída de um ministro e a posse do outro. Isso nos preocupava, sobretudo por estarmos trabalhando dentro da epidemia”, disse Jurandi Frutuoso, secretário-executivo do Conass (secretários estaduais).

Teich privilegiou reuniões internas e com membros do Planalto. Foram ao menos sete encontros com Bolsonaro. Frutuoso disse que houve acerto para retomar as reuniões. Na última semana, também passou a ter encontros por vídeo com governadores. Para a epidemiologista Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), apesar da aproximação, é nítida a falta de articulação com estados e municípios, que também respondem pelo SUS.

“Essa desarticulação e essa comunicação vaga deixam a população perdida. A situação está desgovernada”, afirmou. Avaliação semelhante tem Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da USP. “O papel do ministério no sistema é estabelecer diretrizes e consensos com gestores”, disse.

Para ele, a pasta tem ido na contramão de recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde). “Está claro que não só seria imprudente uma saída da quarentena em algumas capitais como sair mesmo que gradualmente. Maio tem de ser o mês do bloqueio total”, afirmou Scheffer. Avesso à imprensa, Teich tem mantido mistério sobre os nomes de sua equipe.  A maior parte das reuniões tem sido acompanhada pelo general Eduardo Pazuello, único já confirmado no posto, como secretário-executivo, e por Denizar Vianna, assessor especial do ministro.
Já as entrevistas técnicas têm sido acompanhadas pelo secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira, que atua na transição. Nos últimos meses, Oliveira ficou conhecido por aparecer ao lado de Mandetta, ambos usando o colete do SUS. O uniforme foi aposentado na atual gestão.

O Ministério da Saúde disse, em nota, que, além dos dados diários passará a divulgar boletins semanais visando “realizar a interpretação da situação epidemiológica e reflexão sobre as evidências”. A pasta afirmou ainda que tem colocado dados de incidências por estado e capitais em plataforma. Dados por capitais, porém, não estavam disponíveis até sexta.

O ministério disse que o planejamento de diretrizes “já foi concluído e será informado aos gestores estaduais e municipais para orientar a tomada de decisões”.
Sobre os testes, a pasta afirmou que “as distribuições têm ocorrido de acordo com a capacidade de produção dos laboratórios”. Foram distribuídos 1,6 milhão de testes PCR e 3,1 milhões de testes rápidos.

Fonte: Folhapress