Governadores do Norte e Nordeste estão coordenando um movimento para promover alterações na proposta de reforma tributária aprovada recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
De autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e do economista Bernard Appy, o texto em discussão prevê a substituição de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS estadual e ISS municipal) por um só, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja arrecadação seria compartilhada entre governo federal, estados e municípios.
A equipe econômica do governo Jair Bolsonaro também prepara uma proposta de reforma tributária, mas ela ainda não foi detalhada. Entretanto, ela deve prever a união apenas de tributos federais, ou seja, não deve inclui impostos estaduais.
O secretário de Fazenda do Piauí, Rafael Fonteles, que preside o Comsefaz, comitê que reúne os secretários de Fazenda dos estados e do DF, disse que a maioria dos governadores apoia a proposta em análise na Câmara. No entanto, eles querem alterações que tratam desde questões envolvendo competência e autonomia até a divisão do bolo tributário.
Entre as mudanças defendidas está a de que o texto passe a prever a redução gradual na participação da União na divisão dos recursos arrecadados através do IBS. Outra é que apenas os estados e municípios possam legislar sobre esse tributo.
Os estados do Norte e Nordeste defendem ainda a criação de um fundo de desenvolvimento regional constitucional, e que o comitê gestor do IBS seja formado apenas por representantes de estados e municípios.
“A gente já teve encontro dos secretários de Fazenda das regiões Norte e Nordeste, e formulamos nove pontos que entendemos que têm de ser mudados na proposta do Appy, dadas as peculiaridades das regiões”, disse a secretária de Fazenda do Ceará, Fernanda Pacobahyba.
Ela apontou, porém, que a proposta em tramitação na Câmara é “boa” e “é a que tem a maior sustentabilidade”.
Uma posição formal de todos os estados sobre a proposta de reforma tributária está prevista para sair em julho.
Autonomia
O presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Juracy Soares, disse que os governadores veem com “reserva” a proposta de Appy e Baleia Rossi porque ela reduz a autonomia dos estados à simples possibilidade de estabelecer a alíquota de sua parcela no IBS.
A proposta prevê que o novo imposto seria formado por uma junção das alíquotas de União, estados e municípios e que cada um poderá elevar ou reduzir sua alíquota.
“Governadores e secretários entendem que o que a proposta traz para acabar com essa guerra fiscal é uma afronta à soberania dos entes subnacionais, e, de certa forma, isso acontece”, declarou.
O diretor do Comsefaz, André Horta, afirmou que os secretários de Fazenda estão “prudentes” com a proposta.
“Tem estados que estão super entusiastas com esse projeto e tem estados que não estão. Existe divisão”, disse.
Segundo ele, comparado com o atual ICMS, a proposta do IBS deixa os estados com pouca margem de manobra.
Em maio, durante audiência na Câmara dos Deputados, Bernard Appy, um dos autores da proposta que cria o IBS, afirmou que o projeto mantém a autonomia dos estados e dos municípios pois eles poderão aumentar ou reduzir sua alíquota do novo imposto
“O estado pode subir ou baixar alíquota, mantendo a autonomia federativa, mas é um imposto sobre consumo. Se subir 1% a alíquota, os preços ao consumidor sobem 1%. O consumidor é o eleitor e pode discutir o que está sendo feito com esse tributo”, declarou.
Segundo sua proposta, não pode ser concedido nenhum benefício fiscal no âmbito do IBS — tributo que reunirá o ICMS estadual e o ISS municipal, além do PIS, Cofins e IPI. Ele confirmou que uma fonte de reclamação dos estados é justamente a perda de poder de conceder novos subsídios para o setor produtivo se instalar em determinado estado.
Para o diretor do CCIF, a concessão de incentivos fiscais é uma forma “extremamente deficiente” de se fazer política de desenvolvimento regional, pois os estados, muitas vezes, concedem benefícios para empresas que não têm vocação se instalarem naquele local.
“São Paulo, por exemplo, dá benefícios para frigorífico, que deveria estar onde está o boi, no Centro-Oeste. Enquanto isso, o estado do Centro-Oeste dá benefício para montadoras, que poderiam estar em São Paulo. Com isso, alocam toda estrutura produtiva do país de uma forma torta por causa dos benefícios fiscais”, observou.
Essa forma de concessão de benefícios fiscais, argumentou ele, gera um “custo econômico desnecessário”. “A estrutura de distribuição de qualquer produtor de bens de consumo no Brasil não está montada de forma a reduzir o custo de logística, mas sim para reduzir o custo tributário. Fica um monte de caminhão rodando à toa no país”, explicou Appy.
Resistência à reforma
Diferentes governos tentaram, sem sucesso, fazer a reforma tributária nas últimas décadas, mas esbarraram em resistências de caráter regional, partidário e de diferentes setores produtivos, todos eles representados no Congresso Nacional.
A versão da reforma tributária já aprovada pela CCJ da Câmara ainda tem de ser debatida em comissão especial, e, depois, passar pelos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para ter validade.
A simplificação da cobrança de impostos é considerada por especialistas como fundamental para a retomada do crescimento econômico. Analistas e investidores reclamam do elevado número de tributos e da complexidade, e dizem que isso afasta investimentos.
No caso do ICMS estadual, por exemplo, há 27 diferentes legislações vigentes no país.
Relatório “Doing Business” do Banco Mundial, de 2018, mostra que, entre 190 países no mundo, o Brasil aparece na 184ª posição no critério “pagamento de impostos”. Além disso, está em último lugar entre os países onde as empresas gastam mais tempo para calcular e pagar impostos: 1.958 horas por ano em média.
Na Bolívia, que ocupa o penúltimo lugar, são 1.025 horas por ano. Na Argentina, o tempo médio é de 311,5 horas/ano. Já no México, o número cai para 240,5 horas/ano.
Juracy Soares, presidente da Febrafite, avalia que o sistema tributário brasileiro é “muito confuso, caro e ineficiente, não só para o contribuinte, e gera um alto custo de conformidade”, ou seja, para cumprir as determinações legais.
“A gente quer que haja um movimento para simplificação do sistema”, declarou Soares. “Qualquer movimento que venha no sentido de simplificação é bom”, completou.