Na noite do próximo dia 8 de novembro, no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo, será realizada a 60ª edição do Prêmio Jabuti – considerado o principal reconhecimento e a mais tradicional honraria aos livros e aos escritores no Brasil.
A realização de um evento literário por seis décadas no país é um marco. De acordo com a pesquisa Retrato da Leitura, 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro. O Banco Mundial estima, com base no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), que os estudantes brasileiros podem demorar mais de dois séculos e meio para ter a mesma proficiência em leitura dos alunos dos países ricos. Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o mercado editorial encolheu 21% entre 2006 e 2017.
O primeiro Prêmio Jabuti, entregue em 1959, foi concedido para a obra “Gabriela Cravo e Canela”, do escritor Jorge Amado que, anos antes, na ditadura do Estado Novo (1937-1945), teve seus livros queimados em praça pública. A obra do escritor baiano foi o primeiro livro lido pelo menino Luís Antonio Torelli, hoje editor e presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), entidade responsável pelo Prêmio Jabuti.
Em entrevista à Agência Brasil, Torelli falou sobre a premiação, a importância da leitura para a sociedade e sugeriu a ampliação de iniciativas que tenham como foco as bibliotecas. “Num país com poucas livrarias e com pouco acesso ao livro, fica quase impossível ter um programa de formação de leitores se as pessoas não têm onde buscar o livro. As bibliotecas cumprem essa lacuna. Não é só construir. Precisa de um acervo que convide e que seja atraente”, afirmou.
O especialista destacou ainda a importância da leitura e do conhecimento para o combate à disseminação de notícias falsas (fake news). “As pessoas formam opinião sem checar o que recebem, a origem dos dados ou quem é que está publicando. Quando você tem um pouco de conteúdo, proporcionado pela leitura, vê que aquilo não tem nenhum fundamento.”
Veja abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo especialista à Agência Brasil:
Agência Brasil: O que destaca nesta 60ª edição do Prêmio Jabuti?
Luís Antonio Torelli: O prêmio sofreu uma série de mudanças com a intenção de acompanhar o mercado editorial, os interesses dos leitores, e para que continue tendo a relevância que sempre teve. Juntos com o curador, Luiz Armando Bagolin [do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP)], fizemos uma condensação das categorias [eram 29, agora são 18]. Outra novidade é que não é mais preciso mandar os livros físicos para cá, pode ser feito por meio eletrônico (em arquivo PDF). Isso era um impedimento para que pequenas editoras e autores pudessem participar, por causa dos custos de postagem. Com isso, conseguimos ter este ano sete autores independentes finalistas do Jabuti. Conseguimos uma valoração maior para o prêmio. O Livro do Ano terá o prêmio de R$ 100 mil, era R$ 35 mil, além dos R$ 5 mil para cada finalista. Agora, concorrem ao grande prêmio aqueles que estejam no eixo literatura ou no eixo ensaios. A festa de premiação vai ser mais dinâmica e mais rápida.
Agência Brasil: Em 60 anos, o prêmio conseguiu acompanhar as mudanças na literatura brasileira, estar na vanguarda e reconhecer novos talentos?
Torelli: A ideia é dar visibilidade aos nossos autores e mostrar a nossa produção literária. O Prêmio Jabuti contempla isso porque tem amplitude maior do que outras premiações. Com as mudanças, ficará mais fácil dar oportunidades a novos talentos em todas as categorias. Qualquer editora com título selecionado faz questão de declarar que o autor é um indicado ou vencedor do Jabuti.
Agência Brasil: No exterior, quem mais se interessa por livros brasileiros?
Torelli: Na Feira de Frankfurt [Alemanha], encerrada no último dia 15, nos chamou muito a atenção a quantidade de chineses que foram ao netmaker que promovemos. Foram 48 editoras chinesas, dos mais variados tipos, procurando títulos brasileiros. Os alemães têm um interesse bastante grande na nossa produção. Os árabes, também. E ainda, o pessoal da América do Sul com quem fazemos um contraponto. Na Feira de Guadalajara [México, em novembro e dezembro de 2017], nós recebemos a visita de um grupo de bibliotecários norte-americanos que compraram muitos livros em português sobre o folclore brasileiro, sobre candomblé.
Agência Brasil: Durante esses 60 anos do Prêmio Jabuti, o Brasil se transformou do ponto de vista econômico e social. Por que ainda lemos pouco?
Torelli: A gente nunca colocou a educação e a leitura como metas do Estado. A sociedade trata a leitura como algo escravizante. Lembro desde minha época na escola que a relação com o livro é uma cobrança. Outro problema grave é que nossos professores leem muito pouco, também não têm o hábito da leitura. Não se cria nas universidades métodos e formas para que o professor consiga colocar o livro em sala de aula de maneira agradável. As aulas de literatura são chatas, desculpe a expressão. Eles não têm esse foco.
Agência Brasil: O que é o projeto Itinerários da Leitura da CBL?
Torelli: Na Bienal do Livro de São Paulo de 2018, nós lançamos o projeto Itinerários da Leitura. Uma iniciativa para apoiar o professor a estimular a leitura em sala de aula desde a infância, para formar o leitor de forma mais contundente e mais rápida. É na idade escolar que é mais possível criar o hábito de ler. Depois da influência da mãe em casa, é o professor na escola a principal figura para incentivar a leitura. O projeto está no nosso site. A intenção é que o documento sirva de referência para iniciativas de estímulo à leitura. Vamos ver se conseguimos levar a ideia ao Ministério da Educação no próximo governo.
Agência Brasil: Que importância tem estimular o hábito de ler?
Torelli: A leitura é transformadora. Não dá para falar em educação sem falar em leitura e vice-versa. Os testes internacionais de ciência, matemática e leitura mostram o Brasil lá na rabeira. As provas mostram claramente que os nossos alunos não conseguem interpretar um texto simples. Isso é falta de treinamento de leitura. É coisa que o país precisava se preocupar bastante. Eu, sinceramente, não escutei no discurso dos nossos presidenciáveis nenhuma referência a isso.
Agência Brasil: O senhor teria alguma sugestão ao próximo presidente da República ou ao ministro da Educação?
Torelli: Se eu pudesse fazer alguma recomendação para o próximo governo seria olhar mais atentamente para as bibliotecas. Num país com poucas livrarias e com pouco acesso ao livro, fica quase impossível ter um programa de formação de leitores se as pessoas não têm onde buscar o livro. As bibliotecas cumprem essa lacuna. Minha humilde sugestão ao próximo governo é ‘vamos olhar mais para as bibliotecas’. Não é só construir. Precisa de um acervo que convide e que seja atraente.
Agência Brasil: A falta do hábito de leitura favorece a circulação de notícias falsas?
Torelli: Pesa muito. A leitura te dá conhecimento e conteúdo. Na Bienal do Livro, dizíamos ‘venha fazer um download do conhecimento’. Quando você lê um livro para se aprofundar em um tema ou para passar o tempo sabe que as obras têm DNA, o ISBN [International Standard Book Number], uma editora, um autor conhecido. Essas notícias que lemos no WhatsApp muitas vezes não têm autoria, não têm fonte confiável. Não é apenas ler, mas saber o que está lendo. A gente está vendo isso nessas eleições. Verdadeiras barbaridades. As pessoas formam opinião sem checar o que recebem, a origem dos dados ou quem é que está publicando. Quando você tem um pouco de conteúdo, proporcionado pela leitura, vê que aquilo não tem nenhum fundamento.
Agência Brasil: Junto com as notícias falsas também circula intolerância. Há intolerância contra os livros?
Torelli: Não é só contra os livros, mas intolerância de forma geral. Pela facilidade que há para publicar pelas mídias sociais, há opinião para tudo, às vezes, com base em absurdos. Quando vejo alguma coisa estranha sobre os candidatos pergunto: ‘mas você leu isso?’. A resposta costuma ser ‘não li, mas ouvi a respeito’. A intolerância com livros é coisa que precisamos ficar muito atentos. O livro é quem nos traz o conhecimento, a informação. Você compra o que você quiser e lê o que quiser. O Estado não tem que ter esse tipo de interferência. Por que o Estado tem que dizer o que eu posso e o que eu não posso ler? A liberdade de expressão é fundamental. Nenhum país cresce, nenhum povo evolui com qualquer restrição a isso. O livro materializa a liberdade de expressão.
Fonte: Agência Brasil