Em 1993, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, lançou a campanha “Brasil Sem Fome”. A iniciativa alertava o país para a realidade de que 32 milhões de pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza, segundo os dados divulgados, na época, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“O país só muda de rumo quando uma sociedade se mobiliza”, disse, então, sociólogo. Foi por meio do movimento da ONG Ação da Cidadania que se cristalizou a emblemática frase de Betinho: “Quem tem fome, tem pressa”.
Demorou para que o Brasil conseguisse sair do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU). O país passou a década de 1990 e o início da década de 2000 criando e implementando estratégias voltadas para a segurança alimentar e nutricional até que, finalmente, em 2014, superou o índice que o colocava entre os piores colocados no ranking global da subalimentação.
Em 2022, o Brasil voltou ao Mapa da Fome, segundo a ONU. Isso quer dizer que o percentual de brasileiros que não têm certeza de quando vão fazer a próxima refeição está acima da média mundial. Mais 33 milhões de brasileiros passam fome todo dia.
Criado em 2003, durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o programa tem como objetivo promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar. Por meio dessa iniciativa, é possível que agricultores, cooperativas e associações vendam seus produtos a órgãos públicos.
Em 2021, o governo de Jair Bolsonaro (PL) substituiu o programa pelo Alimenta Brasil, que foi encerrado em 2023, com o início do terceiro mandato de Lula.
Em julho deste ano, o Senado Federal aprovou a volta do PAA, determinando que, sempre que possível, um mínimo de 30% das compras públicas de gêneros alimentícios deverá ser direcionado à aquisição de produtos de agricultores familiares e de suas organizações.
🚿 Programa Água para Todos/Cisternas
Iniciado na primeira gestão Lula, o programa de distribuição de cisternas ganhou o nome Água Para Todos durante o primeiro governo de Dilma Rousseff, em 2011.
A ação tem como objetivo assegurar a melhoria das condições de vida da população extremamente pobre, através da elevação da renda familiar per capita da população e levando água a famílias sem acesso.
Em 2021, uma reportagem do jornal “Folha de S.Paulo” mostrou que, ao longo do mandato de Bolsonaro, o Água Para Todos sofreu uma redução orçamentária de 96% em comparação com 2014.
Em julho deste ano, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome anunciou a retomada do programa, que estava praticamente paralisado.
Além da mudança do nome do programa para Cisternas, o governo anunciou que investiria R$ 562 milhões em 2023 para a construção de equipamentos para acúmulo de água direcionados a famílias do semiárido e da Amazônia.
🍛 Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
Em 1948, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, consolidou-se o direito à alimentação. Já em 1954, o Ministério da Educação criou o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), implantado no ano seguinte.
O objetivo é garantir alimentação aos alunos de toda a rede básica matriculados em escolas públicas, filantrópicas e em entidades comunitárias (conveniadas com o poder público), por meio da transferência de recursos financeiros. Em muitos casos, a refeição distribuída na merenda escolar é a única ou a principal desses alunos.
Em março deste ano, o governo Lula anunciou que estima investir R$ 5,5 bilhões no programa em 2023 e beneficiar 40 milhões de alunos de escolas públicas.
Vale lembrar que a alimentação escolar tornou-se um direito dos alunos da rede pública em 1988, com a promulgação Constituição.
💳 Bolsa Família e Auxílio Brasil
Lançado em 2003, o Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda do Brasil e já foi reconhecido internacionalmente por já ter tirado milhões de famílias da fome. O programa virou um símbolo do governo Lula.
Após 18 anos de existência, o programa foi substituído em 2021, no governo Bolsonaro, pelo Auxílio Brasil.
No entanto, com a volta de Lula à Presidência em 2023, ocorreu a retomada do Bolsa Família, com um modelo de benefício que considera o tamanho e as características familiares.
O futuro da fome no Brasil
A volta do Brasil ao Mapa da Fome da ONU, em 2022, se deu por uma série de questões.
O economista Francisco Menezes cita o desmonte de políticas públicas voltadas para o combate à desnutrição nos últimos anos e a falta de investimento e manutenção de programas existentes há anos no país. Para ele, esse processo está diretamente relacionado ao empobrecimento da população e ao crescimento do desemprego.
Além de falar sobre a extinção de programas de governo ao longo da gestão Bolsonaro, Daniel Carvalho de Souza cita a pandemia de Covid-19 como um fator grande influência no retorno aos índices elevados de miséria. Segundo Menezes, a pandemia não nos deixou preparados “para o desastre que veio com a fome a partir de 2020”.
Daniel Carvalho de Souza, filho de Betinho presidente do conselho da ONG Ação da Cidadania, afirma que não há como prever quando o Brasil vai combater a fome. Mas que ele acredita que “o estrago de agora” ainda vai repercutir por muitas décadas. O passo principal, diz, é reconstruir as políticas que sofreram desmonte e investir para, mais tarde, colher os frutos do amplo acesso da população à alimentação adequada.
Já o neurocientista Claudio Sefardy avisa que a situação é de emergência. Considerando que há uma geração de crianças que estão há quatro, quase cinco anos, sofrendo com a má alimentação e a pobreza extrema, há urgência em tentar reverter esse quadro.
“Se levarmos em consideração a primeira infância e que os períodos críticos do desenvolvimento infantil são até os 5 anos de idade, talvez até os 7, vemos que estamos em cima da linha e muito atrasados na recuperação dessas crianças”, alerta.
“Se continuássemos com esse quadro de fome por mais quatro anos, teríamos uma geração inteira perdida.”
G1