As novas estimativas de população dos estados, divulgadas há duas semanas na prévia do Censo 2022, devem pressionar a Câmara dos Deputados a recalcular a divisão do número de cadeiras por estado para as eleições de 2026.

Projeção realizada a pedido da Folha pelo Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) aponta para mudanças na atual distribuição das 513 cadeiras das Câmara, com perdas de vagas em sete estados e ganhos em outros sete.

O Rio de Janeiro lideraria a perda de assentos na Câmara, caindo de 46 para 42 vagas. Bahia, Rio Grande do Sul, Piauí e Paraíba perderiam 2 vagas cada um. Já os estados de Pernambuco e de Alagoas teriam menos 1 cadeira na Câmara.

Por outro lado, as bancadas de Santa Catarina e Pará cresceriam, com mais 4 vagas para cada estado. O Amazonas ganharia mais 2 vagas, enquanto Minas Gerais, Ceará, Goiás e Mato Grosso teriam um assento a mais cada. Os demais estados e o Distrito Federal manteriam o mesmo número de vagas.

A Constituição determina que a representação na Câmara dos Deputados deve ser proporcional à população de cada estado. Mas os constituintes definiram o mínimo de 8 e o máximo de 70 deputados por unidade da Federação.

O número de cadeiras por estado, contudo, não é alterado desde dezembro de 1993, ano em que ocorreu o último redesenho das vagas na Câmara a partir da aprovação de uma lei complementar. Não houve atualização do tamanho das bancadas a partir dos dados dos Censos de 2000 e 2010.

Em 2013, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) chegou a emitir uma resolução sobre a redistribuição das vagas por estado na Câmara com base no Censo anterior, realizado em 2010.

No ano seguinte, porém, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou que a resolução era inconstitucional e definiu que caberia à própria Câmara fazer a divisão por meio de lei complementar, o que nunca aconteceu.

“Mexer em questões regionais sempre tem um aspecto político muito forte. Quem ganha vai pressionar para mudar o cálculo, quem perde vai trabalhar para manter tudo como está”, avalia Neuriberg Dias, analista político e assessor do Diap.

Na esteira dos dados do novo Censo, o deputado federal Rafael Pezenti (MDB-SC) protocolou nos últimos dias um projeto de lei complementar que altera a representação dos estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados a partir da legislatura que inicia em fevereiro de 2027.

A proposta prevê ainda mecanismo permanente de reconfiguração das bancadas, de modo que um novo projeto de lei complementar se tornasse desnecessário a cada Censo.

Pezenti justifica a proposta argumentando que há uma sub-representação na Câmara Federal dos estados cuja população mais cresceu nos últimos 30 anos e que é preciso corrigir as distorções.

Santa Catarina, por exemplo, possui uma população de 7,7 milhões de habitantes segundo o Censo de 2022 e apenas 16 deputados federais. O tamanho da bancada é inferior ao de estados com menor população, caso do Maranhão, que tem 6,8 milhões de moradores e 18 deputados federais.

“Só quero fazer justiça e garantir que os estados tenham uma representação mais igualitária. O voto do catarinense não pode valer menos do que o dos eleitores de outros estados”, argumenta Pezenti, lembrando que o menor número de deputados também representa menos recursos em emendas.

Ele reconhece que o tema é espinhoso por mexer diretamente nos interesses dos parlamentares que devem tentar a reeleição em 2026. Mas se diz otimista e destaca que quem sai perdendo no recálculo é minoria: os sete estados que perderiam vagas têm 172 deputados.

Os estados cujas bancadas cresceriam somam 141 votos e outros 200 são de unidades da federação que não teriam mudanças no tamanho. O projeto precisa de maioria simples para ser aprovado.

A expectativa, contudo, é de forte oposição das bancadas dos estados que teriam redução, caso de Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco.

Coordenador da bancada federal do Rio de Janeiro, o deputado federal Áureo Ribeiro (Solidariedade) questiona a confiabilidade dos dados do Censo 2022 e diz ver dificuldades para uma redistribuição das vagas: “É um tema muito sensível, seria um consenso muito difícil de construir”.

O deputado federal Carlos Veras (PT), um dos coordenadores da bancada de Pernambuco, diz não acreditar na possibilidade de alteração na composição por estado. “A última modificação é de 1993, o que revela a dificuldade de o tema ser apreciado na Câmara dos Deputados.”

Outro possível obstáculo para colocar o projeto em pauta pode ser o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). Isso porque o estado de Alagoas seria um dos prejudicados pelo recálculo ? a bancada seria reduzida de 9 para 8 deputados.

O deputado Pezenti diz acreditar que Lira não colocará os próprios interesses à frente da vontade do plenário, caso se construa uma maioria favorável ao projeto.

A bancada catarinense já começou a discutir estratégias para convencer os líderes dos partidos e tentar emplacar o projeto no retorno do recesso.

Na avaliação do cientista político Cláudio André de Souza, professor da Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira), o Congresso não deveria postergar o recálculo das vagas: “Quanto maior a defasagem, mais brusca será uma possível mudança no futuro”.

Caso a proposta seja aprovada, haverá aumento do quociente eleitoral e maior competição em 2026 nos estados em que o número de cadeiras for reduzido. Com isso, diz Souza, a tendência é de maior dificuldade para pequenos partidos nas disputas legislativas destes estados, o que pode impulsionar novas federações partidárias.

A mudança também tende a dar maior força às bancadas de estados com perfil mais conservador, caso de Santa Catarina, Mato Grosso e Goiás. Por outro lado, haveria uma perda de seis deputados na bancada nordestina, que nas últimas legislaturas tem se alinhado mais aos governos de esquerda.

Uma possível alteração no tamanho das bancadas federais dos estados também se refletiria nas Assembleias Legislativas. O número de vagas segue a mesma proporção da Câmara, mas com mínimo de 24 e máximo de 94 deputados estaduais.

 

Fonte: João Pedro Pitombo e José Matheus Santos, Folhapress