As primeiras reações nas bolsas à nova troca no comando da Petrobras foram bastante negativas, mas analistas e gestoras brasileiros ainda apostam que a estatal está protegida contra interferências em sua política de preços, alvo de críticas do governo Jair Bolsonaro.

A demissão de José Mauro Coelho com apenas 40 dias no cargo levantou novas críticas a respeito de possível ingerência na gestão da empresa e, no governo, a expectativa é que algum tipo de trava seja criada para segurar repasses.

No pré-mercado da bolsa de Nova York desta terça-feira (24), as ações da Petrobras chegaram a cair perto de 12%, com o temor de investidores estrangeiros sobre interferência na política de preços. Na bolsa de São Paulo, a empresa também iniciou o pregão em baixa.

Para analistas dos bancos UBS BB e Goldman Sachs, porém, o curto mandato de seu substituto, Caio Paes de Andrade, e os riscos de responsabilização por eventuais mudanças que prejudiquem a estatal podem conter o ímpeto por interferências.

“Não esperamos mudanças na política de preços ou na estratégia da Petrobras”, escreveram os analistas do UBS BB Luiz Carvalho, Matheus Enfeldt e Tasso Vasconcellos, que veem a troca como uma sinalização do governo para demonstrar preocupação com a alta de preços.

“No curto prazo, o estatuto da Petrobras e a lei brasileira reduzem a possibilidade de intervenções”, acrescentam os analistas do Goldman Sachs, Bruno Amorim, João Frizo e Guilherme Costa Martins.

Os dois bancos mantêm recomendação de compra de ações da companhia, baseada na expectativa de distribuição de elevados dividendos. A retornar aos seus acionistas R$ 101 bilhões pelo desempenho de 2021, a Petrobras entrou na lista das empresas conhecidas pelo mercado como “vacas leiteiras”.

Waldir Morgado, sócio Nexgen Capital, também mantém a recomendação, acreditando no pagamento de fartos dividendos no ano. E ressalta que o governo já promoveu três trocas no comando da estatal sem que houvesse mudança na política de paridade com as cotações internacionais.

Ele acredita que os preços dos combustíveis continuarão seguindo o mercado internacional, mas podem ter reajustes mais espaçados, estratégia que já vinha sendo adotada informalmente pelos dois últimos antecessores de Paes de Andrade.

A gasolina, por exemplo, já não é reajustada há 74 dias e tem hoje defasagem média de R$ 0,10 por litro em relação ao preço de paridade de importação. A diferença já foi maior, mas recuou com a valorização do real frente ao dólar nos últimos dias.

Morgado valia, por outro lado, que a indicação de um nome próximo aos ministros da Economia, Paulo Guedes, e de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, poderia acelerar os estudos pela privatização da estatal, o que vê como positivo.

VanDyck Silveira, CEO da Trevisan Escola de Negócio, diz que a frequência com que o governo muda o comando da Petrobras já tem impacto sobre a gestão da companhia. Os resultados serão ainda piores, diz se o governo conseguir “baixar a fórceps” o preço dos combustíveis.

“Estamos chegando na quarta substituição em um pouco mais de três anos de governo. Isso é algo inenarrável, inexplicável e inaceitável para uma empresa do tamanho da Petrobras”, afirma. “A maior empresa do país está à mercê de um controlador que quer fazer política eleitoreira.”

GESTORES DIZEM NÃO TER A INTENÇÃO DE VENDER AÇÕES DA PETROBRAS

Segundo André Gordon, sócio-fundador da gestora GTI Administração de Recursos, o anúncio não chegou a causar uma grande surpresa, tendo em vista declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro (PL) a respeito da Petrobras.

Gordon não espera por uma mudança radical na política de preços com a troca no comando da estatal, embora não descarte também alguma medida que ajude a suavizar os constantes reajustes nos combustíveis, eventualmente com um intervalo maior entre os anúncios.

“Às vezes o governo erra um pouco ao não aproveitar as boas notícias a seu favor, já que o aumento na distribuição de proventos pela Petrobras beneficia a União”, diz o gestor da GTI. “O fato de a empresa ser uma das mais rentáveis do mundo no setor é bom [para o governo], e não ruim”, acrescenta.

A petroleira reportou lucro líquido de R$ 44,5 bilhões no primeiro trimestre, uma alta de cerca de 3.700% em relação ao mesmo período do ano anterior, com a distribuição de dividendos aos acionistas da ordem de R$ 48,5 bilhões.

Com 28,67% das ações da estatal, a União terá direito a cerca de R$ 14 bilhões do total de dividendos. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem outros 8% e ficará com R$ 3,9 bilhões.

Gordon diz também que, em um cenário de forte alta nos preços das commodities, sem que a oferta aumente na mesma proporção, a Petrobras já é, e deve continuar sendo, uma das principais posições nas carteiras dos fundos sob sua gestão.

“Mesmo com a forte alta das ações recentemente, a Petrobras certamente continua sendo uma das petroleiras mais baratas do mercado global”, afirma o gestor da GTI.

Analista da gestora Finacap Investimentos, Felipe Moura diz que processos que já estavam curso para aprimorar a estrutura de capital da Petrobras, como a desalavancagem operacional e a alocação racional de capital nos negócios de maior rentabilidade, devem prosseguir sem maiores sobressaltos sob uma nova gestão.

E mesmo no caso da política de preços da estatal, Moura afirma que também não espera por nenhuma alteração radical de rota em relação ao que vinha sendo praticado nos últimos meses.

Mas que um intervalo maior entre os reajustes é algo que já estava no radar e que pode avançar com maior celeridade a partir de agora.

“Os novos nomes à frente da Petrobras, e do próprio ministério de Minas e Energia, aumentam a presença do ministro Paulo Guedes na empresa”, diz o analista da Finacap.

Ele conta que Petrobras é hoje a principal posição da carteira dentro dos fundos de ações da gestora, e que não há qualquer intenção de alteração em relação a isso por conta do anúncio desta segunda-feira (23). “Os fundamentos seguem ainda muito firmes, a empresa nunca gerou tanto caixa como nesses últimos tempos.”

Analista da Empiricus, Matheus Spiess diz que mantém a recomendação de compra para os papéis da Petrobras mesmo com a nova troca no comando da empresa.

Ele acrescenta, contudo, que, dentro do setor de óleo e gás, tem uma preferência maior neste momento pelas ações da petroleira privada 3R Petroleum.

“Além de não sofrer o mesmo risco de interferência politica que a Petrobras, a 3R está em níveis mais descontados em relação aos pares”, afirma Spiess.

GASOLINA JÁ ACUMULA DEFASAGEM DE 20% EM RELAÇÃO AO MERCADO INTERNACIONAL, DIZ ECONOMISTA

Economista-chefe da Mongeral Aegon Investimentos, Patrícia Pereira afirma que o preço da gasolina no mercado brasileiro já acumula uma defasagem em torno de 20% em relação aos preços praticados no exterior.

Portanto, a dúvida que resta agora, prossegue a especialista, é sobre qual será a decisão do governo em relação a novos reajustes dos combustíveis com a troca no comando da estatal.
“Já estávamos na iminência quanto à necessidade de um novo reajuste”, afirma a especialista.

Ela diz que, em sua avaliação, faria até mais sentido se o governo fizesse o anúncio do novo reajuste antes da mudança na presidência da companhia, para, na sequência, rifar o ocupante do cargo como forma de obter algum respaldo junto à opinião pública.

A economista-chefe afirma que o constante vai e vem em relação aos rumos da companhia não afeta somente os preços das ações da Petrobras na Bolsa, trazendo um impacto mais amplo para a visão que os investidores, tanto no Brasil como no exterior, têm sobre o ambiente de negócios no país.

“Essas trocas sucessivas no comando da Petrobras são muito ruins, e acabam criando um ruído bem desnecessário”, afirma Patrícia.

Professor da FGV Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas), Augusto Sales diz que, se uma deterioração ainda maior em relação às perspectivas para a empresa não ocorreram, isso se deve à Lei das Estatais.

“Essas trocas em uma empresa do porte da Petrobras reforçam a imagem que vemos há tanto tempo tentando se livrar, de que o Brasil não é um país sério”, afirma Sales.

Ele entende que aumentar os intervalos entre os reajustes pode ser uma estratégia que faça sentido para controlar a volatilidade, mas desde que não comprometa os resultados da companhia e cause prejuízos aos minoritários.

“No frigir dos ovos, ainda que o intervalo entre os reajustes aumente, o resultado final tem de ser nulo, ou seja, sem subsidio, até porque o estatuto da Petrobras não contempla o controle da inflação”, diz o professor da FGV Ebape.

Fonte: Nicola Pamplona e Lucas Bombana/Folhapress