A adoção cada vez maior de sistemas de monitoramento por câmeras e o aumento da demanda por serviços de saúde durante a pandemia elevou a pressão sobre servidores públicos que fazem trabalho noturno e colocou em evidência uma questão fundamental para a adaptação a esse turno: a alimentação e o sono devem ser tratados com mais cuidado para garantir a saúde desses profissionais.

De acordo com o médico neurologista Alan Eckeli, professor de neurologia e medicina do sono na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, em toda a evolução, o ser humano foi selecionado para trabalhar durante o dia e repousar à noite.

“Esse advento de trabalhar à noite é muito recente no ponto de vista evolucionista. E isso tem um preço. Observamos que os trabalhos em turnos estão mais associados a diversas doenças. Tem mais risco de desenvolver doença mental, como depressão e ansiedade, desenvolver obesidade, diabetes, hipertensão, doença vascular, ou mesmo infarto”, explica o médico.

Em geral, o trabalho em turno no serviço público ocorre mais nas áreas da saúde e da segurança. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, são 17.165 trabalhadores noturnos, por órgãos da administração direta, indireta e de Organizações Sociais de Saúde. Na administração direta são 3.944, das áreas de saúde e assistência social, o que corresponde a 23%.

Longe das capitais também há grande número de trabalhadores noturnos. Na Prefeitura do Guarujá, no litoral paulista, por exemplo, são 631 servidores públicos trabalhando à noite. Desses, 70% estão ligados às secretarias de Saúde, Defesa e Convivência Social e Desenvolvimento e Assistência Social.

Na Grande São Paulo, a Prefeitura de Suzano inaugurou em maio de 2019 uma Central de Segurança Integrada na sede da administração. É um espaço que conta com o controle de 52 câmeras, com monitoramento de 24 horas.

“A central foi instaurada com o objetivo de auxiliar não somente no índice criminal, mas também em todos os setores da prefeitura, interligando os órgãos da cidade. Contamos hoje com 36 agentes no total, sendo que 12 trabalham à noite. O nosso sistema de turno é de 12 por 36 horas”, diz Elias Marques, secretário de Segurança Cidadã de Suzano.

O guarda municipal Sidnei Barreto Castilho, 45, é um dos servidores que trabalham em turnos noturnos na central de Suzano. Há 20 anos na corporação, ele diz que está trabalhando à noite há apenas dois anos, mas já se sente adaptado.

“Não sinto os efeitos da noite. Eu tive aconselhamento de pessoas que estavam mais acostumadas a trabalhar no período noturno, então, adquiri alguns hábitos. Por exemplo, antes de entrar para trabalhar, dou uma descansada à tarde em casa. Isso ajuda bastante.”

E a regularidade do sono é um dos fatores mais complicados para quem trabalha à noite. Segundo o médico Alan Eckeli, cabe ao próprio indivíduo determinar a sua qualidade do sono, entendendo o quanto deve dormir para poder estar bem no dia seguinte.

“Existe uma diversidade muito grande entre os seres humanos quanto ao tempo total de sono. A maior parte dos indivíduos vai precisar de sete a oito horas, mas uns precisam de seis horas, de cinco horas. Outros de mais horas. Cada pessoa deve refletir sobre qual o número de horas de sono que ele tem para se sentir bem durante o dia.”

Também é preciso ter cuidado com os cochilos durante o dia, principalmente para quem tem insônia. “Esses períodos vão diminuir o que a gente chama de necessidade do sono, fazendo com que tenha uma latência maior para o início do sono”, diz Eckeli.

Entretanto, para algumas pessoas, o período de sono durante o dia pode ser um fator de recuperação, segundo o médico. “São pessoas que de repente têm uma qualidade de sono menor no período noturno, e que, depois, em algum momento do dia, habitualmente após o almoço, vão fazer períodos mais curtos recuperando essa falta de sono.”

Outro ponto que deve ser encarado com bastante atenção é a alimentação. Independentemente de como é a organização do horário de trabalho, é importante ter uma rotina.

“Precisa ter uma rotina bem estruturada, para não ser aquela coisa de chegar em casa e dizer ‘estou muito cansado, não vou comer nada hoje'”, diz nutricionista Annie Bello, professora adjunta de nutrição clínica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

“Também deve evitar muitas compensações. O trabalho noturno muitas vezes faz com que a pessoa seja mais suscetível a alimentos como fast food na madrugada, acabe pedindo uma pizza no plantão, por exemplo. Tem que ter muito cuidado para não abrir muitas exceções com esse consumo de alimentos práticos na madrugada.”

Segundo a nutricionista, o trabalho noturno desregula o ritmo circadiano da pessoa. Ou seja, o mecanismo que regula o dia e a noite para o ser humano fica um pouco descontrolado.

“Os hormônios que são produzidos no nosso corpo são regulados pela luz solar e pelo horário das nossas refeições. Por mais que a pessoa tenha uma boa alimentação, trabalhar no período da noite pode impactar no peso corporal. Por isso é importante ter cuidado redobrado na qualidade da refeição, porque a tendência é que ocorra ao ganho de peso por causa desse sono desregulado”, diz Annie Bello.

Além dos cuidados com alimentação e qualidade do sono, é importante que a pessoa que trabalha à noite tenha atenção com a vida social. “Grande parte das pessoas fazem o oposto daquela que trabalha à noite, então ela acaba se distanciando de seus colegas. É preciso ter cuidado com isso para não se isolar. Tirar algum tempo para manter esses relacionamentos sociais”, diz Vanessa Cepellos, professora de gestão de pessoas da FGV-EAESP.

Ela também destaca a importância de um apoio psicológico por parte do empregador, principalmente com aqueles servidores que encaram trabalhos emocionalmente pesados, como é justamente o caso de servidores da saúde e da segurança.

“O empregador não pode esquecer das questões que prejudicam esses trabalhadores noturnos. Pela própria natureza do trabalho, esse servidor até acaba lidando com a morte. São situações complicadas por si só. Então, deve planejar uma orientação preventiva à saúde desses servidores, com palestras, apoio psicológico, para dar suporte a esse profissional.”
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DICAS PARA TER UMA BOA QUALIDADE DE VIDA

Veja como proceder quando trabalhar em horários diferenciados:
– Mantenha uma rotina de alimentação regular e com alimentos saudáveis
– Faça uma boa refeição antes da jornada de trabalho
– Evite alimentos ultraprocessados e fast food
– Evite consumir qualquer tipo de cafeína até três horas antes de dormir
– Evite alimentos de alto valor calórico, pois a digestão deles é mais lenta
– Quando chegar em casa para dormir, faça uma refeição como se fosse um café da manhã, com pouca gordura e boa parte de proteína, como iogurte desnatado, uma fruta e uma porção de castanhas
– Procure manter um tempo de duração de sono que o faça se sentir bem
– Busque um local para dormir que não tenha muito barulho e diminua a quantidade de luz
– Procure fazer exercícios físicos regulares. Caso não consiga, pode fazer uma atividade como usar as escadas ao invés do elevador
– Tire algum tempo para manter os relacionamentos sociais

Fonte: Folhapress