Desde janeiro, o Brasil contabilizou 323,9 mil casos prováveis de dengue e 79 mortes pela doença.

Os números, disponíveis no último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, revelam um aumento de 85,6% nas infecções por esse vírus, transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti, em relação ao mesmo período de 2021.

Em alguns locais do país, a situação é pior: no Centro-Oeste, o crescimento em comparação com o ano passado foi de 242%. Até o momento, a região registrou 648 casos por 100 mil habitantes — em segundo lugar aparece o Sul, com 198 casos por 100 mil.

Entre as cinco cidades mais atingidas, três estão no Centro-Oeste: Goiânia (25,1 mil casos), Brasília (19,2 mil) e Aparecida de Goiânia (4,6 mil). Completam a lista Palmas (7,5 mil), no Tocantins, e Votuporanga (4,7 mil), em São Paulo.

“O que se observa neste ano é uma atividade expressiva da dengue em algumas partes do país, em particular no eixo que vai do Tocantins até Santa Catarina, passando pelo Centro-Oeste e pela porção oeste de São Paulo”, interpreta a bióloga e epidemiologista Cláudia Codeço, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz).

Mas o que está por trás desse cenário? E o que pode ser feito para combatê-lo? Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que uma série de fatores combinados contribuíram para o aumento da dengue justamente neste período.

Os ingredientes de uma epidemia

“Tivemos um clima especialmente favorável à dengue neste ano, com chuvas intensas e prolongadas”, lembra Codeço.

Desde o final de 2021, quando começou o verão, várias cidades brasileiras registraram muitas tempestades, relacionadas a fenômenos como o La Niña e as mudanças climáticas.

Para o Aedes aegypti, as chuvas são sinônimo de água parada, local onde os ovos do mosquito eclodem e as larvas se desenvolvem até alcançarem a fase adulta.

“Geralmente, quando chega o mês de dezembro e começamos a notar uma grande concentração do Aedes, já dá para prever que março e abril vão ser ruins, com muitos casos de dengue”, observa o infectologista Celso Granato, diretor do Fleury Medicina e Saúde.

Mas, na virada de 2021 para 2022, as projeções foram atrapalhadas por outras duas crises de saúde.

Nessa mesma época, o Brasil enfrentou uma epidemia de influenza H3N2, que causou um aumento importante de casos de gripe, e o espalhamento da variante ômicron do coronavírus, por trás de recordes nos números de infecção.

“Os sistemas de vigilância da dengue foram muito prejudicados, já que nesses dois últimos anos havia um foco quase absoluto na pandemia de covid-19”, acrescenta o médico, que também é professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Ainda em relação à pandemia, o menor número de infecções em 2021 também tem a ver com os períodos de maior isolamento social, que diminuíram a locomoção das pessoas pelas cidades.

“E vale lembrar que tivemos uma grande epidemia de dengue no país em 2019, então já era esperado um novo aumento a partir de 2022, já que as ondas da doença são cíclicas”, diz a médica Melissa Falcão, da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Por fim, Codeço destaca que “temos uma população empobrecida, com dificuldades de moradia, e vemos a precarização das cidades”.

“Tudo isso dificulta o controle de vetores que transmitem a doença”, explica a especialista, que coordena o InfoDengue, uma iniciativa da FioCruz e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) para o monitoramento das doenças relacionadas ao Aedes.

“Também é importante observar o espalhamento da doença para o Sul do país, onde ela era pouco ativa ou quase inexistente. Essa expansão pode estar relacionada às mudanças climáticas e à própria adaptação do mosquito”, complementa a epidemiologista.

A tendência, de acordo com o que aconteceu nas temporadas anteriores, é que os casos de dengue continuem a subir no país pelo menos até o meio de maio. A partir daí, com a chegada de temperaturas mais baixas nas regiões Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste, os registros devem voltar a cair.

“Os números da dengue costumam ser mais elevados durante verão, por causa da alta temperatura e da quantidade de chuvas, mas o período de ascensão da doença começa em outubro e vai até maio. A tendência é uma redução mais acentuada no número de casos a partir de junho”, estipula Falcão.

“Mesmo assim, os cuidados de prevenção contra dengue devem acontecer durante todo o ano”, ressalta a infectologista.

Detectadas as causas do problema, o que pode ser feito para lidar com essa epidemia oculta de dengue?

A resposta das autoridades

Como não existe uma vacina aprovada contra a dengue, as ações preventivas mais efetivas envolvem eliminar os criadouros do mosquito transmissor — e o ideal é que esse trabalho se inicie em janeiro ou fevereiro, quando os ovos começam a eclodir.

“Com a pandemia, sobraram menos recursos para combater o Aedes”, diz Granato.

Agora em abril, existem menos ações que podem ser feitas. “Resta apostar no fumacê, que ajuda a inibir o mosquito adulto”, completa o infectologista.

Outra atitude importante é ampliar e reforçar os serviços públicos de saúde, para conseguir acolher os pacientes com complicações da dengue.

O boletim epidemiológico do Ministério da Saúde contabiliza neste ano 233 episódios de dengue grave e outros 2,8 mil com sinais de alarme. Até o momento, foram registradas 79 mortes pela doença.

Granato também se mostra preocupado com a recorrência da dengue em regiões que já tiveram surtos e epidemias num passado recente.

“Existem quatro sorotipos do vírus, o que significa que uma mesma pessoa pode pegar dengue quatro vezes. O problema é que ter um segundo ou um terceiro quadro da doença aumenta o risco de sofrer com as formas mais graves”, explica.

“E temos algumas regiões, especialmente no noroeste de São Paulo, que passam por surtos de dengue desde os anos 1980. Isso representa maior risco de morte nesses locais”, continua.

G1