O governo também propõe na legislação um parágrafo que afirma que “considera-se exercício regular de direito a defesa da inviolabilidade do domicílio”.
Outra mudança reduz as situações em que se considera excesso no direito à defesa, condição que pode impedir a isenção de pena.
Pela proposta, “continuar empregando meios para defesa, de si ou outrem, mesmo tendo cessado a agressão” só passa a ser considerado excesso se comprovada intenção de causar lesão mais grave ou morte do agressor. Ou seja: se mesmo após impedir a agressão a pessoa continuar se defendendo, isso só é considerado excessivo em caso de comprovação de intenção de ferir ou matar o agressor.
Para Felippe Angeli, gerente de relações institucionais do Instituto Sou da Paz, no entanto, o que as mudanças propostas fazem é criar “uma grande licença para matar”.
“Claramente você vai contra a ordem constitucional, porque o valor jurídico da vida é muito superior ao do patrimônio”, explica Angeli.
O gerente de relações institucionais do Instituto Sou da Paz vê na proposta uma tentativa de importar um entendimento comum nos Estados Unidos mas “sem encontrar nenhum embasamento na nossa ordem constitucional.”
O jurista Wálter Maierovitch também classifica as novas regras propostas como um “incentivo” para que policiais “possam agir sem receio”, “possam matar”.
“Os policiais em ação vão ter esse juízo que eles mesmo vão fazer e evidentemente vão deixar de lado requisitos básicos de uma legítima defesa que, como o próprio nome indica, tem que ser legítima”, explica Maierovitch.
“É liberar e dar um incentivo extra para que os policiais possam agir sem receio, quer dizer, possam disparar, possam matar”, disse o jurista.
Outro projeto de lei que será enviado pelo governo muda a lei que trata de terrorismo no país. O governo propõe alterar a definição do crime para incluir atos realizados “com o emprego premeditado, reiterado ou não, de ações violentas com fins políticos ou ideológicos”.
Já o trecho da lei que diz que, nestas condições, é terrorismo “atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa” seria ampliado para dizer que é terrorismo “atentar contra a vida ou integridade física de pessoa ou contra o patrimônio público ou privado.”
O projeto muda ainda um parágrafo que esclarecia que a regra não se aplica “à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional”, entre outros. O texto a ser enviado pelo governo ao Congresso inclui no artigo a necessidade de que a conduta seja “de caráter pacífico”, sem explicar como este caráter é definido.
Para Angeli, a combinação das propostas é preocupante, já que as novas condições para legítima defesa incluem o terrorismo entre as ações que podem justificar a ação dos agentes.
“Se o policial ver uma pessoa com arma, pode atirar. Se ver alguém cometendo um ato de terrorismo, pode atirar, e este terrorismo pode inclusive significar danos patrimoniais e por aspecto ideológico. É ser um juiz executor, é a barbárie, é um cheque em branco para a polícia”, diz Angeli.
Já Maierovitch vê nas propostas a criação de um terrorismo “à brasileira”, fora do direito internacional.
“Em uma classificação decente, honesta de terrorismo, o que existe? Existe uma violência política ou religiosa, que não é evidentemente o caso de algumas manifestações. Na realidade, o que se quer é criminalizar movimentos sociais”, afirmou o jurista.
G1