“Se prepare, homem”, profetiza o pastor no centro de um púlpito abarrotado de colegas. Estamos em 2013, no congresso Gideões Missionários da Última Hora, uma vitrine gospel para líderes pentecostais do Brasil. Pouco antes, Abílio Santana havia recebido seu vaticínio: Deus o colocaria no palácio com um “brasão da República”, ele e mais outros três daquele altar.
Santana é hoje deputado pelo PL baiano. Marco Feliciano (Republicanos-SP) já era do Parlamento e seria reeleito duas vezes depois. A Câmara também acolheria, em 2018, Flordelis, que depois sairia de lá cassada pelos pares, sob acusação de matar o marido, um pastor como todos ali.
Que se preparasse também Paulo Marcelo. “Estou mudando teu coração, estou mudando tua voz, estou mudando a tua imagem, estou mexendo nas cadeiras porque Brasília também te espera!”, prevê Antônio Silva, o pastor do Gideões.
Estamos em 2020, e nada de Paulo Marcelo no centro do poder. Ele tenta uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo pelo Podemos, partido à direita que no futuro abrirá as portas para um homem por quem ele diz sentir repulsa, Sergio Moro, concorrer à Presidência.
Seu santinho político o apresenta como “o candidato de Feliciano”. São amigos já tem mais de duas décadas, desde que os dois pregavam país afora, ele a bordo de uma Variante dourada, e Feliciano, de uma Brasília amarela.
Em 2022, Paulo Marcelo chega à capital do país. Desembarcou na quarta (9) para uma reunião na sede do PT. Ainda sem mandato, é verdade –teve 4.486 votos dois anos atrás, insuficientes para vencer.
A vitória que lhe importa, agora, é a de Lula. Às 13h do dia 13 de dezembro, encontrou pela primeira vez o homem que fez o avô chorar em 1989. O pastor da Assembleia de Deus queria vê-lo eleito presidente, o que só aconteceria 13 anos depois. Mas aí seu Aloísio já tinha morrido, três anos antes.
Com ajuda de um Moisés, o presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, o pastor descolou uma reunião no Instituto Lula. O ex-presidente o escutaria por 20 minutos. Acabaram conversando por duas horas e meia.
Paulo Marcelo tinha um plano para furar a bolha pentecostal, em boa parte envelopada por um bolsonarismo que se autoproclama guardião dos bons costumes.
Com a bênção de Lula, ele comandará, a partir de março, uma série de iniciativas para aproximar PT e evangélicos. Esse eleitorado tem um histórico de idas e vindas com o partido. Grandes pastores já demonizaram a bandeira vermelha, mas, em 2002, muitos a tremularam.
Foram abandonando a legenda nos últimos anos, conforme as pautas morais avançavam. Em 2018 veio o racha total: todos os grandes líderes que se posicionaram politicamente foram para o lado de Jair Bolsonaro (PL).
Paulo Marcelo terá nas mídias petistas um podcast produzido por Silas Bitencourt. Conhecido de longa data, ele é empresário de artistas gospel, como o trio de pregadores mirins da família Ota e, em 2021, idealizou o Culto da Resistência, reality evangélico que promoveu o estimulante sexual Levanta Varão e reuniu de Mara Maravilha a Mister M.
O estúdio será no prédio que sedia o PT no Distrito Federal. A princípio, o apresentador não quer nenhuma alusão explícita à estrela vermelha, símbolo do partido, no logo de seu programa. Já vislumbra, contudo, uma hashtag bem política para viralizar nas redes sociais: #SouCristãoEVotoLula.
Outro projeto que Paulo Marcelo quer levar adiante: montar núcleos evangélicos nos 26 estados brasileiros, mais a capital, cada um com cerca de 200 pastores. Na quarta, foi ao gabinete do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) propor que começassem pelo Rio Grande do Sul.
A aproximação com o ex-presidente, assim como seus ataques contra Bolsonaro, abastece um site que é referência nos bastidores do poder evangélico, o Fuxico Gospel.
Ele causou frisson quando disse que a igreja atual prega como se fosse medieval. E depois, quando profetizou que Bolsonaro estaria fora do Palácio do Planalto no 1º de janeiro de 2023.
Antes disso tudo, reportagens abordaram sua prisão, sob suspeita de posse de drogas e arma, oito anos atrás, em Foz do Iguaçu (PR).
Em depoimento à Polícia Civil, ele disse que a pistola e a substância apreendidas pertenciam a um segurança particular. À reportagem repete o relato e acrescenta: “Fake news. Já sofri muito com isso, nunca houve processo”.
Conservadores estão sempre a postos para atacar e foram bem-sucedidos em pintar a esquerda como antifamília, comunista e aborteira, diz o pastor. Está na hora de desconstruir essas ideias.
Para Paulo Marcelo, há duas frentes a serem trabalhadas. Primeiro, com a esquerda. “Ela precisa entender que nem todo evangélico é o Malafaia, que xinga, que briga”, diz sobre o pastor que pregou no mesmo púlpito que ele nos cem anos da primeira Assembleia de Deus do Brasil, em 2011.
Não descarta chamá-lo como convidado em seu podcast, mas acha que ele nunca aceitaria. Certo está. “Eu não debato com cachorro morto”, diz Malafaia. “Vou perder meu tempo com um zero à esquerda desses? Tá de brincadeira!”
Paulo Marcelo acha que o campo progressista dialoga mal com o segmento. Dos poucos apoios de algum relevo que o PT tem na liderança, a maioria vem de igrejas históricas. Para falar o português claro: falta povo. E evangélicos estão em massa nas periferias, em igrejas pentecostais.
Segundo o pastor, Lula já teria inclusive entendido que os evangélicos que costumam comparecer a eventos religiosos organizados pelo partido são ótimos e tal, mas pregam para convertidos. É preciso alcançar o coração pentecostal.
Há ainda a parte dois do trabalho. Aqui o pastor cita “um versículo muito lindo” do bíblico Livro das Lamentações: “Quero trazer à memória o que pode me dar esperança”.
Vai de encontro à estratégia do PT de relembrar evangélicos dos tempos de bonança econômica quando Lula estava no poder –e também de liberdade religiosa. Em quase 15 anos de governos de esquerda, questiona, “quando que a igreja foi fechada, quando que seu pastor foi proibido de pregar?”.
Aliás, foram abertos templos como nunca, e eles iam muito bem, obrigado. “A pergunta é muito simples: o que na sua vida melhorou? Quanto na sua igreja tinha de receita, na época de Lula e Dilma, e quanto tem de receita hoje?”
Paulo Marcelo se considera um cara de centro-esquerda e diz que só se filiou ao Podemos porque já tinha o caminho aberto por lá –era, na época, a legenda de Feliciano.
Os dois já saíram de lá, e hoje o pastor lulista estuda nova morada partidária. Diz que provavelmente concorrerá a algum cargo, ainda na expectativa da profecia feita no Gideões há quase uma década.
A afinidade com Lula não abalou sua amizade com o amigo bolsonarista.
“Ambos vivemos em um país democrático, e a prova da nossa amizade é que, mesmo caminhando em caminhos opostos, continuamos amigos”, afirma Feliciano.
“Choramos juntos. Sorrimos juntos. Oramos juntos. Conversamos quase todos os dias. Ele com os argumentos dele, e eu com os meus”.