O ex-presidente Lula (PT) e o pré-candidato ao governo de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) planejam um encontro para a próxima semana em meio ao impasse que se mantém no estado -com a esquerda dividida entre a candidatura do líder sem-teto e a do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), que também mira o Palácio dos Bandeirantes.

Membros de PT e PSOL ouvidos pela Folha de S.Paulo mantêm o discurso de que ambas as candidaturas serão levadas até o final e admitem que o apoio mútuo pode ficar apenas para o segundo turno.

Nos bastidores, porém, ainda há apostas de que haverá uma unificação, e os próprios candidatos estão abertos ao diálogo.

O imbróglio tem potencial para azedar a relação entre os partidos -Haddad e Boulos, ao serem procurados pela reportagem, preferiram não falar sobre o assunto.

Um dos argumentos levantados em prol da união no primeiro turno é o de que uma divisão no campo da esquerda pode enfraquecer a possibilidade de vencer o PSDB no estado -onde a sigla governa desde 1995. A aliança é descrita como uma chance histórica de concretizar a alternância no poder.

Petistas veem a candidatura de Haddad como a mais consolidada e com mais chance de vitória no campo da esquerda -que tem ainda Márcio França (PSB) como postulante.

Com Haddad à frente dos demais progressistas nas pesquisas, o PT não vê sentido em abrir mão dele por uma eventual federação partidária com o PSB ou para abrir espaço para Boulos.

Falando de São Paulo, estado estratégico na eleição nacional, Lula já indicou seu compromisso com Haddad, com quem se reuniu na quinta-feira (27). “Eu acho, com toda modéstia, que o PT nunca esteve tão próximo de ganhar o governo do estado, como está agora”, disse em entrevista na semana passada.

A cúpula do PSOL tampouco cogita, neste momento, retirar a candidatura de Boulos, que terminou em segundo lugar a eleição na capital paulista em 2020, desbancando o PT.

Ali o assunto é tratado como resolvido -os dois serão candidatos e se unirão no segundo turno. A fase de negociações já teria passado.

Interlocutores de Boulos, no entanto, afirmam que o pré-candidato é favorável ao diálogo pela união da esquerda até o último minuto. Mas, embora admita sentar à mesa, Boulos não estaria disposto a tratar de condições para uma desistência.

Também há no PSOL quem entenda que a costura ainda está em curso. De acordo com um membro do partido, se em 2021 a sigla se recusava a ouvir o que o PT tinha a oferecer, o cenário mudou neste começo de ano.

Com o avanço das conversas para selar uma chapa presidencial formada por Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin (sem partido), psolistas temem a desidratação da candidatura de Boulos, uma vez que Alckmin já se comprometeu a contribuir ativamente na campanha de Haddad, além de o petista alcançar a maior fatia dos votos que seriam destinados ao ex-tucano.

De acordo com pesquisa Datafolha divulgada em dezembro, em um cenário sem Alckmin na disputa, Haddad lidera com 28%, seguido de França (19%) e Boulos (11%). No cruzamento de dados, 30% dos eleitores do ex-governador optam por Haddad, 19% por França e 13%, por Rodrigo Garcia (PSDB).

Petistas dizem que conversas estão em andamento e que ainda há tempo para um acerto entre Haddad e Boulos, cenário em que o psolista deixaria a corrida. Na próxima semana, além de Lula, o líder sem-teto deve se reunir com França, que também é peça-chave no impasse da esquerda em São Paulo.

Para evitar conflitos, contudo, aliados de Haddad afirmam que também se adequariam no caso da manutenção de ambos os nomes e que é legítimo que o PSOL tenha um candidato, principalmente considerando que, em 2020, o PT não abriu mão de Jilmar Tatto mesmo com o favoritismo do líder sem-teto.

Na opinião de integrantes do PT ouvidos pela reportagem, a insistência na candidatura de Boulos pode representar um erro político. Para evitá-lo, uma alternativa seria compor a chapa com Haddad, na condição de vice.

Num estado conservador como São Paulo, Boulos, que tem boa votação na capital, mas não nas intenções de voto no interior, poderia perder relevância se terminasse a corrida com baixa votação.

Membros do PSOL rebatem, afirmando que Boulos é competitivo, vence na capital e pode crescer na medida em que se tornar conhecido.

Outra opção aventada é a de que Boulos tente uma cadeira na Câmara dos Deputados, tenha espaço num eventual governo Lula e garanta um acordo de apoio do PT para concorrer à Prefeitura de São Paulo em 2024.

Políticos do PSOL estão céticos quanto a isso e reforçam que seria necessário um compromisso público e explícito pelo diretório nacional do PT e pelo próprio ex-presidente Lula.

Petistas ainda argumentam que, se por um lado Boulos poderia compor o governo Lula, por outro lado, caso não haja aliança com Haddad, o ex-presidente poderia nomear outros paulistas para a Esplanada, criando concorrência para o PSOL na eleição municipal.

A preocupação de ampliar a bancada do PSOL na Câmara é uma questão considerada para quem defende a desistência de Boulos tanto entre petistas como entre psolistas -principalmente após a saída de nomes que tinham votações expressivas, como o deputado federal Marcelo Freixo (RJ), que migrou para o PSB.

A cláusula de barreira, que define um percentual mínimo de integrantes da Câmara que devem ser eleitos para que o partido possa existir, é lembrada. Como candidato a deputado, além de Boulos fortalecer a bancada, teria visibilidade para se alçar à prefeitura em 2024.

No PSOL, contudo, há parlamentares que defendem que Boulos contribuiria mais para o crescimento do partido se concorresse ao governo, dando visibilidade ao PSOL durante a campanha. A sigla entende a candidatura própria no principal colégio eleitoral do país como crucial para sua sobrevivência.

No plano nacional, o PSOL caminha para formar uma federação com a Rede. Com isso, Boulos poderia ter a chapa mais ampla da esquerda no estado, se vingar também a tentativa de atrair PDT e PC do B, mas essa última sigla estuda a federação com o PT.

Os rumos eleitorais do PSOL ainda devem ser definidos por uma eleição interna -uma conferência que deve ocorrer em março ou abril. No congresso realizado no fim de 2021, o partido optou por lançar Boulos ao governo de São Paulo e buscar compor com o PT na corrida para a Presidência.

A ala majoritária do partido acredita que a nova conferência vai apenas confirmar essas escolhas. A conversa entre Boulos e Lula, inclusive, teria como pauta mais a questão nacional do que o impasse paulista.

Embora Boulos tenha deixado claro rechaçar a opção de Alckmin como vice de Lula, dirigentes do PSOL afirmam que o apoio ao petista deve ocorrer mesmo assim.

Em sua coluna de despedida na Folha, Boulos afirmou que, além do desafio de derrotar Jair Bolsonaro (PL), é preciso “derrotar também a agenda política antipopular e de retirada de direitos, da qual Alckmin é sócio”.

Mas a cúpula do PSOL entende que a definição de uma aliança depende basicamente do compromisso do PT com temas de esquerda –revogação do teto de gastos, mudança na lei trabalhista, agenda ambiental, reforma tributária, taxação de grandes fortunas, entre outros.

O entorno de Boulos admite que Alckmin é um sinal ruim emitido por Lula, mas ainda acredita que o programa de governo poderá contemplar o PSOL e, assim, que a aliança será referendada na conferência.

Já o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), que prega uma candidatura própria do PSOL ao Planalto, avalia que o fator Alckmin pesa para que o partido repense a decisão de apoiar Lula e lance seu nome –ao lado de Boulos, que para ele deve, sim, concorrer em São Paulo.

“O PSOL tem que reforçar a necessidade do seu fortalecimento político. Faz todo sentido lançar Boulos em São Paulo, ele foi o segundo colocado em uma eleição com características nacionais”, afirma o deputado.

O partido avalia ainda que haveria um grande desgaste interno, especialmente na militância, caso Boulos desista de concorrer ao Palácio dos Bandeirantes. A adesão 100% a Haddad não é unanimidade, principalmente pelas resistências que o PSOL tem ao nome de Alckmin.

“Nós defendemos a candidatura do Boulos. Ele está bem posicionado, é competitivo, preparado e tem as credenciais. Temos chances de crescer, sem dúvidas”, diz à Folha o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP).

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), por sua vez, acredita que é necessário ter um candidato do partido ao governo paulista -mesmo que ele não seja Boulos. “Acho ruim abrir mão da candidatura e pensar nos próximos dois anos [eleições municipais]. A política é dinâmica, tudo pode acontecer”, diz.

“Seria um acordo eleitoreiro e não programático. Existem diferenças de programas no estado que justificam o PSOL ter uma candidatura e o PT ter outra”, continua parlamentar.

Boulos anunciou que estava disposto a concorrer ao Palácio dos Bandeirantes em entrevista à coluna Mônica Bergamo, em abril de 2021. De lá para cá, iniciou uma série de agendas eleitorais pelo estado e visitou mais de 40 cidades.

Fonte: Folhapress