Osama bin Laden passou os últimos cinco anos de sua vida no imóvel onde foi morto, em Abbottabad, no Paquistão, com sua família.

Os militares americanos que invadiram o local e mataram o terrorista encontraram documentos e cartas escritas pelo próprio bin Laden e por seus familiares.

Esses textos ajudam a entender como foi o período final de sua vida.

Logo após os ataques do 11 de setembro de 2001 suspeitou-se que Osama bin Laden e a organização que ele havia fundado no fim dos anos 1980, a Al-Qaeda, estavam por trás dos atentados.

No dia 12 de setembro de 2001, havia evidências de que os sequestradores eram ligados a bin Laden. Encontrar o terrorista virou uma prioridade para os Estados Unidos.

Mesmo antes dos ataques, os americanos já procuravam o líder da Al-Qaeda, pois a organização havia feito outros atentados contra os americanos: em 2000, bombardeou um navio americano no Iêmen, e em 1998, atacou duas embaixadas dos EUA na África (no Quênia e na Tanzânia).

Os militares americanos tentaram matar bin Laden em agosto de 1998, quando bombardearam, com mais de 70 mísseis, os campos de treinamento da Al-Qaeda no Afeganistão. O líder terrorista conseguiu fugir —não era a primeira vez que ele escapava de um ataque de uma superpotência e não seria a última.

Bin Laden antes do 11 de setembro

O pai de Osama bin Laden, Mohammed bin Awahd bin Laden, nasceu no Iêmen. No começo da década de 1930, ele deixou o país e foi morar na Arábia Saudita.

Nessa época, o reino saudita era um país pobre, que vivia do turismo de muçulmanos que visitavam as cidades sagradas de Meca e Medina. Isso mudou a partir de 1931, quando foi encontrado petróleo no país.

Na década de 1950, a Arábia Saudita era um outro país, vivia da riqueza do petróleo explorado por companhias estrangeiras.

O rei saudita pressionou essas empresas estrangeiras a contratar construtoras locais. Mohammed bin Laden foi um dos que conseguiram trabalhar para as empresas petrolíferas e, assim, tornou-se o maior empreiteiro da Arábia Saudita.

Osama nasceu em Riad, em 1958. Acredita-se que seu pai teve outros 54 filhos. Mohammed morreu em um acidente de avião em 1967. O curador que ficou responsável pelos filhos de Mohammed mandou vários deles estudarem no Líbano, menos Osama, que era tido como o mais provinciano de todos os irmãos.

Ele estudou em uma escola em Jidá e, no ginásio, entrou para a Irmandade Muçulmana. Em 1976, entrou na faculdade de economia, mas, na prática, ele se preocupava com assuntos da irmandade.

Bin Laden conseguiu um emprego na empresa da família e começou a trabalhar na construção de estradas.

Quando estava na faculdade, Bin Laden começou a se aproximar dos livros de um muçulmano radical, Sayyid Qutb, que havia vivido nos Estados Unidos e começou a defender uma jihad violenta.

Apesar de a tradução de jihad ser algo como “a luta”, a palavra é empregada para se referir ao esforço para viver de acordo com as regras do Islã, e não é um sinônimo de violência.

No fim da década de 1970, a União Soviética invadiu o Afeganistão.

Bin Laden foi um dos muçulmanos que resolveram ir ao país que ele mal conhecia para ajudar na luta contra os soviéticos. Há registros de que ele passou pelo Afeganistão em 1984.

Como ele conhecia a família real saudita e era de um clã rico do Oriente Médio, começou a arrecadar dinheiro para os afegãos que lutavam contra os soviéticos.

Ele passava muito tempo nas cidades do Paquistão onde exilados afegãos se organizavam.

Com o dinheiro que arrecadava, ele mantinha um contingente de árabes que, como ele, queriam se envolver com a luta no Afeganistão.

Em 1986, ele levou sua família para Peshawar, uma cidade paquistanesa perto do Afeganistão.

Bin Laden passou a viver em acampamentos em uma região de Tora Bora, nas montanhas do Afeganistão. Lá, ele construiu um local que chamava de Maasada (o nome Osama significa leão, e Maasada é a cova do leão).

Maasada, ao longo dos anos, foi transformada em um centro de treinamento sofisticado.

Os soviéticos chegaram a atacar o complexo, mas bin Laden e os estrangeiros que lutavam na região conseguiram afastar os soldados da União Soviética, que eram mais numerosos (isso contribuiu para a fama de bin Laden entre os jihadistas).

No fim dos anos 1980, ainda envolvido em batalhas contra os soviéticos, bin Laden deixou de querer apenas apoiar o Afeganistão e começou a pensar em uma força de árabes que iriam defender causas muçulmanas pelo mundo.

No Paquistão, ele conheceu o médico egípcio Ayman al Zawahiri.

Zawahiri também tinha sido influenciado por Sayyid Qutb e também coordenava uma rede de muçulmanos radicalizados. Os recrutas de Zawahiri eram mais sofisticados do que os guerrilheiros que bin Laden mantinha no Afeganistão.

Para os dois, o Ocidente havia cometido crimes contra o Islã.

Em agosto de 1988, quando a União Soviética já estava deixando o Afeganistão, a Al-Qaeda (“A Base”, em árabe) foi fundada.

Os EUA como inimigos

Nos anos seguintes, a Al-Qaeda começou a recrutar pessoas, inicialmente no Afeganistão. Os novos membros recebiam dinheiro e eram instruídos a se despedir de suas famílias.

Eles recebiam até um plano de seguro saúde, segundo diz o autor Lawrence Wright, no livro O Vulto das Torres.

Aos 31, bin Laden estava à frente de um exército de muçulmanos. Em 1989, ele voltou à Arábia Saudita e ao trabalho na empreiteira da família.

Na Arábia Saudita, começou a atacar os países do Ocidente e os Estados Unidos —ele afirmava que os árabes haviam sido derrotados e humilhados pelos ocidentais. Inicialmente, ele pregava um boicote econômico aos EUA.

Nessa época, a Al-Qaeda chegou a fazer ataques no Iêmen —os alvos eram principalmente líderes socialistas. Bin Laden também se propôs a atacar o Iraque, que tinha um poderoso exército na época. Ele tentava influenciar a política da Arábia Saudita na região, mas era repelido pela família real, que não se interessava pelas possíveis contribuições de Osama.

Bin Laden começou a se desentender cada vez mais com os líderes sauditas e, em 1992, voltou ao Paquistão.

De lá, ele foi morar no Sudão, onde, como seu pai, construiu estradas.

Foi em 1992, quando bin Laden estava no Sudão, que a organização decidiu que não iria mais combater exércitos, mas, sim, ter civis como alvos. Como os americanos eram os membros da única superpotência que poderia evitar a restauração de um califado islâmico, como desejavam os dirigentes, do grupo, o também decidiu atacar os EUA.

Ainda havia soldados americanos na Arábia Saudita por causa da primeira guerra dos EUA contra o Iraque, e bin Laden intensificou suas críticas contra Washington.

As pessoas que chegavam ao Sudão para se filiarem ao grupo era tratadas como uma espécie de “trainees de terrorismo”. Ele oferecia armas e treinamento (bin Laden tinha conseguido trazer armas de Tora Bora, no Afeganistão).

Os funcionários das empresas de bin Laden que pertenciam à Al-Qaeda também ganhavam bônus. No entanto, a partir de 1994, ele começou a ter problemas no negócio, especialmente com a inflação no Sudão.

Os EUA enxergavam bin Laden como um milionário incômodo. Os americanos pressionaram o governo do Sudão para expulsá-lo do país.

Bin Laden voltou ao Afeganistão, que estava prestes a ser tomado pelo Talibã.

A Al-Qaeda e o Talibã não se conheciam. O líder do Talibã, o mulá Omar, mandou uma comitiva para saudar bin Laden nas cavernas de Tora Bora. Os talibãs aceitaram proteger o líder terrorista e a Al-Qaeda.

Em fevereiro de 1998, Osama bin Laden e Ayman al Zawahiri endossaram uma fatwa publicada em um jornal árabe que afirmava que os muçulmanos deveriam matar americanos – incluindo civis – em qualquer lugar onde pudessem ser encontrados.

Muçulmanos do mundo inteiro foram ao Afeganistão para se tornarem recrutas da Al-Qaeda.
Em agosto daquele ano, em uma ação coordenada, houve uma explosão nas embaixadas americanas em Dar es Salaam, na Tanzânia, e em Nairobi, no Quênia.

Bin Laden virou um dos terroristas mais procurados pelos EUA.

O 11 de setembro e a fuga do Afeganistão

Osama bin Laden dizia que os EUA eram fracos, um país que parecia ser ameaçador, mas era ineficiente em suas guerras. Foi com essa premissa que ele atacou os americanos.

Os atentados de 11 de setembro foram planejados por Khalid Sheikh Mohammed, um membro da Al-Qaeda.

Em poucos dias, os EUA decretaram a guerra contra o terror e invadiram o Afeganistão.

Em outubro de 2001, um vídeo de bin Laden foi divulgado pela Al Jazeera. Ele dizia que os ataques dividiram o mundo entre dois lados, o dos crentes e o dos infiéis. Em conversas após os ataques, ele chegou a dizer que por ter trabalhado com construção civil, imaginava que a explosão causada pelo impacto dos aviões iria esquentar o aço dos prédios a uma temperatura que faria os edifícios desmoronar.

Khalid Sheikh Mohammed em foto de arquivo — Foto: Reuters

Os militares dos EUA ainda estavam nas cidades do Afeganistão quando a Al-Qaeda começou a se preparar em Tora Bora.

Os EUA começaram a bombardear a região.

De cerca de 1.900 membros da organização na época, cerca de 1.600 foram mortos.

Bin Laden chegou a escrever um testamento nessa época. No texto, dizia que os ataques aos EUA marcavam o início da eliminação dos EUA e do Ocidente infiel.

No entanto, em dezembro de 2001, ele conseguiu fugir de Tora Bora e do Afeganistão.

A Al-Qaeda após a resposta dos americanos

Durante alguns anos após o 11 de setembro, a organização exercia um poder de atração em muçulmanos radicais que odiavam o Ocidente, diz Andre Luis Woloszyn, autor do livro “Guerra nas Sombras”.

A organização foi responsável por ataques terroristas em Istambul (2003), Madri (2004) e Londres (2005).

A organização começou a afiliar grupos por outros países. Só que, diferentemente do primeiro momento, quando ela tinha uma base, contratava pessoas a quem dava treinamento, ela começou a atuar em uma “guerra híbrida”, diz João Fiuza, pesquisador da USP que fez um mestrado sobre os conflitos no Oriente Médio e o surgimento do Estado Islâmico do Iraque e da Síria.

“A Al-Qaeda passou a se tornar uma insurgência, pessoas que não têm quartéis ou unidades formadas, mas sim, pequenas unidades pulverizadas —não só no Afeganistão, mas em diversos países”, diz ele.

O próprio Estado Islâmico começou como o braço da Al-Qaeda no Iraque, mas há outras organizações que, ao menos em algum momento, tiveram alguma filiação com o grupo de bin Laden, como o Al Shabaab e o Boko Haram.

No entanto, a entidade que passou a exercer mais atração em radicais que odeiam o Ocidente passou a ser o Estado Islâmico, afirma Woloszyn.

“Os mecanismos de doutrinação são outros, eles usam mais a internet. E os militantes não estão muito preocupados em estarem bem treinados: são atentados de baixa intensidade, executados com o que eles têm à mão, seja uma faca, um caminhão” diz ele.

Bin Laden continuou a dar as cartas na Al-Qaeda mesmo após os EUA ocuparem o Afeganistão, diz Peter Bergen em seu livro “The Rise and Fall of Osama bin Laden”.

Por exemplo, a Al-Qaeda na Península Arábica quis nomear um clérigo como o líder, mas bin Laden vetou; a Al-Qaeda no Iêmen quis declarar um estado islâmico no país, mas o fundador do grupo afirmou que ainda não era o momento; o Al Shabaab, do leste da África, se identificava como parte da Al-Qaeda, mas bin Laden mandou eles pararem (e assim aconteceu).

Vida no Paquistão

A casa onde ele foi morto fica perto de um centro de treinamento da elite militar do Paquistão.

Nos textos encontrados na casa dele após sua morte, não há nada que confirme que ele tenha recebido proteção dos paquistaneses.

Havia até mesmo planos para atacar os militares paquistaneses. Os líderes da Al-Qaeda chegaram a conversar sobre um possível acordo com os serviços de inteligência do país, mas isso não foi para a frente.

Segundo Bergen, ainda havia relações com o Talibã no Afeganistão. Em 2010, a Al-Qaeda chegou a sequestrar um diplomata afegão no Paquistão e conseguiu um resgate de US$ 5 milhões —uma parte desse dinheiro foi para o Talibã.

Uma dupla de seguranças fazia as compras da casa e era responsável por levar os recados do líder para o mundo.

Ele foi morto por militares americanos em 2 de maio de 2011.

Al-Qaeda após Osama bin Laden

O líder do grupo hoje é Aiman al-Zawahiri, o médico egípcio que bin Laden conheceu no Paquistão no fim dos anos 1980.

Em um relatório recente da Organização das Nações Unidas afirma-se que ele deve estar em algum lugar na região de fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão. Houve relatos de que Zawahiri teria morrido de causas naturais, mas isso não foi confirmado.

O relatório da ONU afirma que, apesar de o Talibã ter dito que não vai dar proteção para a Al-Qaeda, o grupo terrorista ainda está presente no Afeganistão, que foi recentemente retomado pelos talibãs.

A Al-Qaeda está presente em ao menos 15 províncias afegãs, no leste, sul e sudeste do país, diz o relatório.

A retomada do Afeganistão pelo Talibã é o maior incentivo para a Al-Qaeda desde o 11 de setembro, disse à revista “New Yorker” Rita Katz, diretora-executiva do Site Intelligence Group, organização que monitora extremistas.

O consenso, segundo ela, é que a organização terrorista, agora, pode voltar a investir no país como um local seguro. Para Katz, a retomada foi uma bênção para a Al-Qaeda e suas franquias. Militantes islâmicos jihadistas de todo o mundo vão pensar em ir para lá, afirma ela.

G1