Aos 25 anos, o engenheiro eletricista Lucas André não tem carteira de motorista. Aprender a dirigir não está em sua lista de prioridades, no momento, e não ter um carro nunca lhe fez falta. Faz todos os seus deslocamentos usando o transporte por aplicativos de motoristas particulares, com quem fecha um pacote mensal para que o valor cobrado seja justo para os dois lados.
“Por três vezes ainda tentei tirar a carteira, há uns cinco anos. Fui reprovado em todas, por erros bobos” ironiza Lucas, ressaltando que todo o processo e a exigência para se ter o documento pela sociedade acabou lhe provocando uma pressão psicológica. “Percebi o processo de tirar o documento é muito lento, burocrático e caro, não compensando no final”, completou.
O seu caso é semelhante ao de muitos outros jovens que já não veem mais o carro como um símbolo de sucesso e independência na passagem para a vida adulta. Dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) mostram que a emissão de novas CNHs (Carteira Nacional de Habilitação) no Piauí reduziu em mais de três vezes, nos últimos cinco anos. O volume total passava de 32,2 mil em 2015, mas, no ano passado recuou para pouco mais de 10,1 mil. Uma queda de quase 70%.
O Detran (Departamento Estadual de Trânsito) do Piauí confirma a queda consecutiva, desde 2015, na emissão da 1ª carteira de habilitação. Segundo o órgão, o surgimento do transporte de aplicativos e, também, a visão mais ampla que o jovem tem atualmente sobre fatores ambientais, tempo e economia, foram os pontos que influenciaram muito para essa redução.
“Avaliando os números e também os fatos que têm acontecido, nesse período, podemos atribuir parte dessa queda, a uma mudança significativa nos hábitos das pessoas, principalmente dos jovens. Hoje em dia, podemos dizer que o jovem considera mais cômodo, seguro e econômico, utilizar o transporte por aplicativo para realizar as atividades do seu dia a dia, já que dessa forma ele não precisa se preocupar com estacionamento e manutenção do veículo, por exemplo”, destacou Garcias Guedes, Diretor-Geral do Detran-PI.
Outro fator determinante nessa mudança de comportamento, de acordo, ainda, com o Garcias, foi a pandemia da Covid-19. “No Piauí, de 2015 a 2019 não observamos mudanças significativas no número de novas habilitações, já em 2020, ano em que a pandemia teve início, houve uma mudança maior, devido à condição de home-office que passou a ser adotada e também por conta das várias medidas restritivas que influenciaram muito no modo de vida de toda a população”, completou.
Entretanto, trata-se de um fenômeno nacional. Levantamento da empresa de pesquisas Ipsos, também com base nos dados do Denatran, mostra peso de aplicativos, caminhadas e bicicletas na rotina de quem tem entre 18 e 30 anos; desde 2015, teria promovido a redução em 10,5% na retirada de novas CNHs. Ou seja, Tirar a carta hoje em dia não está mais nas prioridades de quem completa 18 anos. O documento que era um dos principais sonhos de consumo dos jovens está em queda.
A pesquisa, realizada entre 2014 a 2017, em várias capitais das regiões Nordeste e Sudeste do país, o aspecto prático, realmente, é quem ratifica a redução. Se há alguns anos era quase que automático o jovem que completasse 18 anos tirar a carteira e, assim que possível, adquirir um automóvel, agora essas pessoas estão protelando esses dolis momentos. Conforme o estudo, quase a metade (48%) dos jovens de 18 a 21 anos perguntados afirmaram não ter interesse de ter o documento.
Entretanto, o especialista em trânsito Ricardo Borges, que também é o presidente da Apetrans (Associação Piauiense de Educação no Trânsito) discorda dos motivos para essa queda. Para ele, existe uma diferença entre o número de processos de habilitação abertos no Detran-PI e o número de processos de habilitação concluídos, que costuma ser bem menor. Antes da pandemia, estimava-se que o órgão abria uma média de 50 mil processos de habilitação por ano, entre primeira habilitação, mudança ou adição de categoria. Só que muitos desses processos não são devidamente concluídos.
“São diversos fatores que fazem os processos não serem concluídos e por isso, o número não é maior. Mas, não acredito que outros veículos tenham influência direta ou grande relevância na redução do número de habilitados no estado. O transporte público sempre foi muito precário. Os aplicativos só equilibraram mais essa questão. Já o uso de bicicletas ainda é predominantemente para fins esportivos, embora tenha havido um leve aumento para fins de transporte e trabalho, ainda relacionado à precariedade do transporte público”, explicou.
Para completar, Borges acrescenta que comparando a frota total do Estado, que já ultrapassa os 1,3 milhão de veículos, com o número de condutores devidamente habilitados, que é de quase 590 mil, observa-se uma discrepância muito grande. “Ainda existe a cultura de comprar o veículo primeiro e tirar a habilitação depois, se e quando der. A falta de fiscalização devida, principalmente nas cidades do interior, tornam o ato de conduzir sem habilitação ainda mais fácil”, finalizou o especialista em trânsito.
Meio Norte