Vacinas, como a da poliomielite, demoraram pelo menos 10 anos para serem descobertas e implementadas. Outras, como a do HIV, ainda nem foram descobertas. No caso dos estudos para a vacina contra a covid-19, no entanto, há algumas particularidades que podem fazer o processo ser acelerado sem que pelo menos a segurança básica fique comprometida. A reportagem é do R7.

Uma delas é o fato de os estudos já terem sido adiantados antes mesmo da disseminação do novo coronavírus, com base em outras vacinas, para a MERS-CoV, identificado em 2012 como a causa da MERS (síndrome respiratória do Oriente Médio) e o SARS-CoV, identificado em 2003 como a causa da SARS (síndrome respiratória aguda grave) iniciada na China perto do fim de 2002.

A outra são os recursos destinados aos laboratórios e o direcionamento de um contigente de profissionais muito maior do que na média de outras pesquisas, trabalhando diuturnamente na implementação da vacina.

A infectologista Lessandra Michelin, da Sociedade Brasileira de Infectologia no Rio Grande do Sul, considera que a rapidez no processo limita algumas informações que costumam entrar nos estudos, mais ligadas à eficiência da vacina, que terão de ficar de fora no momento da liberação. Mas ela diz que a segurança não ficará comprometida.

“Independentemente de saírem os resultados preliminares, os pacientes permanecerão em acompanhamento, mas devido à emergência mundial a vacina terá de ser liberada. De qualquer forma, a eficácia dela não se altera, tem que ter uma eficácia mínima para poder ser liberada, a eficiência dela vai ser apresentada à medida que a gente conseguir aplicar ela em populações heterogêneas”, afirma.

Sobre os processos acelerados, ela relata que estes se basearam na integração de algumas metodologias.

“Muitas vezes foram fusionadas fases. Por exemplo, um dos estudos já avalia segurança e imunogenecidade, capacidade de produzir anticorpos, que seria a fase 1 e 2. E a fase 3 também acaba sendo encurtada no follow-up, acompanhamento dos pacientes”, conta.

A infectologista diz que, no entanto, somente como o tempo se poderá medir a eficiência da vacina na população e não apenas sua eficácia dentro de um grupo de estudos geralmente formado por adultos entre 18 e 50 anos, saudáveis.

“A eficiência da vacina é observada com a aplicação na população em geral, de diversas características, crianças, adolescentes, idosos, pessoas com doenças crônicas, com deficiência de imunidade. O tempo dirá como a vacina se comporta para proteger uma população heterogênea”, ressalta.

Já o infectologista Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunização, lembra que as questões burocráticas também foram adiantadas.

“As análises já estão sendo feitas pelas agências regulatórias, ainda antes de os estudos acabarem. As aprovações para os estudos também estão sendo facilitadas. Tudo isso tem sido abreviado”.

Ele ressalta que o processo está sendo acelerado em questões nas quais isso é possível. Quando não há possibilidade, a única maneira é seguir o ritmo ditado pela Ciência.

“Estudos de eficácia dependem do tempo da Ciência, não podem ser ultrapassados, dependem de um acúmulo de casos para demonstrar se a vacina funciona”, diz.

E completa.

“O que pode ser adiantado é um licenciamento emergencial, vamos licenciar a vacina sem conhecer a sua duração de proteção, a eficácia na prevenção de desfechos raros, como mortes e hospitalizações, não vamos conhecer eventualmente a repercussão em crianças, adolescentes e grávidas, o que demandaria muito mais tempo. Essa é a lógica de termos um licenciamento mais rápido, mas sem abrir mão da segurança e eficácia pelo menos para a prevenção da covid-19”, destacou.