Entidades em defesa das pessoas com diabetes temem que aproximadamente 1,4 milhão tubetes de insulinas análogas de ação rápida já adquiridos pelo Ministério da Saúde sejam incineradas em junho de 2021, quando perderem a validade, caso não sejam distribuídas para a população até essa data.  A burocratização no acesso a esses medicamentos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos entraves enfrentados por quem precisa receber a medicação no país. As entidades também pedem que esse tipo de insulina, além de passar a ser dispensado na Atenção Básica, possa ser ofertado para as pessoas com diabetes tipo 2, com indicação para seu uso.

A ADJ Diabetes Brasil informou ao Cidadeverde.com algumas das burocracias que atrapalham o acesso da população à insulina:

  • Disponibilização do medicamento na Atenção Especializada e não na Atenção Básica, dificultando o acesso;
  • A extensão do Laudo de Medicamento Especializado, já que os médicos demoram em média 40 minutos e em geral as consultas médicas tem duração de 15 minutos;
  • Escassez de oferta na rede pública dos exames solicitados para que as pessoas solicitem/comprovem a necessidade o medicamento, por descontrole glicêmico;
  • Falta de endocrinologistas no país para dispensar a prescrição necessária;
  • Ausência de conhecimento dos médicos com relação à disponibilidade da medicação no SUS;
  • Falta de educação em diabetes dos pacientes e dos profissionais de saúde para utilização desta tecnologia.

Insulina Ação Rápida

A ADJ Diabetes Brasil explica que “em fevereiro de 2017, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, incorporou as insulinas análogas de ação rápida no SUS para melhorar o tratamento de pessoas com diabetes tipo 1”.

“Somente em novembro de 2018, a ADJ recebeu o comunicado de algumas secretarias estaduais de saúde, que diziam que as insulinas haviam chegado, vindas do Ministério da Saúde, e iriam ser disponibilizadas para os brasileiros, data esta totalmente irregular, pois como norma o Ministério da Saúde devia dispensar em 180 dias, após a publicação em Diário Oficial”.

“Assim, foram adquiridos 3,9 milhões de tubetes de 3ml, com estimativa de consumo em um ano, para contemplar 396.050 pessoas com diabetes tipo 1 no Brasil. Até agora somente 330 mil tubetes foram consumidos, por 43.762 mil brasileiros. Ou seja, somente 11% das pessoas com diabetes tipo 1 tiveram acesso ao medicamento. E entre 900 mil a 1,4 milhão tubetes já adquiridos, porém não distribuídos, irão vencer até junho do ano que vem”.

A coordenadora de Advocacy da ADJ Diabetes Brasil, Vanessa Pirolo, relata ao Cidadeverde.com que a ADJ Diabetes Brasil e Sociedade Brasileira de Diabetes batalham há mais de 4 anos para conseguir a dispensação da insulina análoga no SUS e “agora parte desta insulina será jogada no lixo. O primeiro lote vence em dezembro; o segundo em março do ano que vem; e o terceiro em junho”.

“O Ministério da Saúde optou por dispensar como Componente Especializado, o que gerou burocracia. Nós queremos que seja disponibilizado na Atenção Básica, para que as pessoas tenham mais facilidade. No ano passado tivemos contato com o Ministério da Saúde três vezes, e eles não nos deram ouvido. Eles estiveram conosco em uma reunião na semana retrasada, vem com bons olhos esta alternativa (de colocar na Atenção Básica)”, diz Vanessa Pirolo.

Desburocratizar o acesso

A Sociedade Brasileira de Diabetes protocolou um documento no Ministério da Saúde com sugestões para desburocratizar o acesso ao medicamento, como: “revogar a exigência de receita atualizada a cada três meses e adotar o tempo admitido na maioria dos estados, que é de seis meses, não havendo a necessidade de se exigir o LME. A instituição solicitou que o relatório médico fosse exigido de forma anual e mais sucinto”.

A presidente da Associação dos Diabéticos do Piauí (ADIP), Jeane Melo, destaca que “esse possível desperdício parte, na verdade, do Ministério da Saúde, que tem o dever de realizar a distibuição da insulina ultra rápida Asparte. Milhares dessas insulinas estão estocadas e deverão perder a validade em breve. Triste realidade! Dessa forma, o Ministério da Saúde deixa de repassar para os estados este medicamento tão necessário para manter a vida das pessoas que precisam deste fármaco para  viver. Outra situação inaceitável é o excesso de burocracia exigindo nas nas farmácias especializadas. Não é fácil ter diabetes no Brasil”.

“A disponibilizada dessa medicação está na Atenção Especializada, não na Atenção Básica. Aqui no Piauí só se dispensa na Farmácia de Medicamentos Excepcionais (da Secretaria Estadual de Saúde). O Piauí é muito grande para uma medicação ficar com distribuição somente na capital. Por conta da lei que a ADIP conquistou, a insulina da segunda linha de cuidado, dentre outras insulinas e medicamentos, deveria ser dispensada para todo o estado, mas a entrega fica restrita somente na capital”.

Jeane Melo ressalta que a dificuldade de acesso às consultas especializadas com os médicos endocrinologistas  devido ao pouco número de profissionais disponíveis para toda rede de saúde e, especialmente, no SUS. Esta situuação é constatada em todo o país.

No Piauí, Jeane melo, cita uma conquista da Adip na tentativa de amenizar o impacto negativo da burocratização do acesso aos medicamentos. “A partir de janeiro deste ano, diferente de São Paulo, por exemplo, aqui a solicitação desse medicamento, toda os documentos que os médicos precisam preencher, só acontece agora duas vezes ao ano, mas a Sociedade Brasileia de Diabetes e a ADJ já se pronuncuiaram para ser anual”.

“Nós sabemos que temos uma demanda reprimida. Muitas pessoas que deveriam usar essa medicação não estão usando. O mais absurdo ainda, neste momento, é nós termos conhecimento de que milhares de insulinas estão armazenadas em São Paulo – que não estão sendo encaminhadas aos estados – porque o acesso ainda muito burocratizado. A gente fica triste ao saber que apenas 11% da população diabética tem acesso a medicamento. Essa medicação é comprada com o nosso dinheiro”.

Outro Lado

A Farmácia do Povo – Componente Especializado informou ao Cidadeverde.com que “está fornecendo insulinas e medicamentos orais para pacientes com diabetes, com entrega diretamente nas unidades onde há solicitações, como Parnaíba, Oeiras, Bom Jesus e São Raimundo Nonato”.

“Pelo planejamento anual da Diretoria da Farmácia, a meta era que todas unidades os profissionais de saúde fossem capacitados e feitas adequações físicas para o fornecimento de insulinas e medicamentos orais, mas por conta da pandemia, foram suspensas, devendo retornar ainda este ano”.

Já o Ministério da Saúde (MS) informa que as insulinas disponibilizadas no Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento da Diabetes Mellitus são ofertadas por meio do Componente Básico da Assistência Farmacêutica – CBAF, a insulina humana NPH, e Regular (por frasco-ampola e canetas). Já no âmbito do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica – CEAF são disponibilizadas a insulina análoga de ação rápida a todos os pacientes cadastrados nesse componente e que atendem aos critérios de elegibilidade estabelecidos no Protocolo Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), elaborado por este MS.

Conforme colocado na audiência pública da Comissão Externa da Câmara dos Deputados sobre  enfrentamento à Covid-19, realizada em 01/09/2020 (https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/59903), foi informado que, no ano de 2019, foram distribuídas 24,8 milhões de unidades de insulinas e neste ano, até o mês de agosto, 39.5 milhões de unidades do medicamento no SUS – sem registro de “desperdício” de insulinas por perda de prazo de validade.

Sobre a conclusão da audiência, a pasta informa que está articulando com o CONASS e CONASEMS ações para promover a ampliação do acesso das insulinas canetas, tendo em vista que foi apontado na audiência que a alocação dessa insulina no CEAF dificulta o uso da tecnologia pelo paciente.

 

 

Carlienne Carpaso
carliene@cidadeverde.com