Um dos líderes mais influentes no PT, o ex-ministro da Justiça Tarso Genro, 73, diz que há motivos jurídicos para o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas afirma que é preciso avaliar as condições políticas para seguir adiante com esse instrumento.
“Uma tentativa de impeachment frustrada pode fortalecer o Bolsonaro”, afirma o petista.
Ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-presidente nacional do PT, ele defende uma “frente de salvação nacional” com todas as forças políticas que se oponham à maneira como o presidente vem conduzindo o combate ao coronavírus, inclusive com prefeitos e governadores de legendas de centro e direita.
Tarso diz que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um dos possíveis nomes para ser candidato a presidente do PT em 2022, mas que não pode ser o único.
Lula foi solto no início de novembro, beneficiado por um novo entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) segundo o qual a prisão de condenados somente deve ocorrer após o fim de todos os recursos. O petista, porém, segue enquadrado na Lei da Ficha Limpa, impedido de disputar eleições.
Pergunta – Qual a sua posição sobre o impeachment de Bolsonaro?
TG – Do ponto de vista constitucional, Bolsonaro comete um crime de responsabilidade por dia. As condições jurídicas de um impeachment estão dadas. O que tem de ser observado é a oportunidade que isso vai ter de trânsito no Parlamento. Bolsonaro mantém uma maioria sólida, seja por proximidade ideológica, oportunismo, identidade programática na questão das reformas. É um xadrez político.
Não é uma questão de princípio, é de tática política?
TG – A questão de princípios no terreno da política está sempre condicionada a formações de maioria. O PT, os partidos de esquerda, os partidos democráticos, têm que avaliar a conjuntura a cada dia, para usar o mecanismo do impeachment no momento em que tiver certeza que tem maioria. Senão, não deve usá-lo, porque uma tentativa de impeachment frustrada pode inclusive fortalecer o Bolsonaro.
O sr. escreveu um artigo em janeiro de 1999, no começo do segundo governo FHC, defendendo novas eleições. Agora é preciso mais cautela?
TG – Não é um problema de cautela. Naquele momento a situação do Fernando Henrique era instável, um governo que imediatamente, quando assumiu o segundo mandato, ignorou completamente os compromissos de antes. Desenhei naquele momento uma posição extrema, tanto que não houve implementação.
A situação do Bolsonaro não tem paralelo na história do Brasil. É muito mais grave, extrema, criminosa. É incomparável em relação à do Collor, à do Fernando Henrique, e evidentemente não tem nenhuma comparação com a situação da Dilma, que foi um impeachment forjado.
Quais crimes o sr. vê?
TG – Em primeiro lugar a violação de todos os princípios federativos, ao perseguir governadores. Também em relação aos crimes ambientais, à questão sanitária e à soberania nacional. A postura ajoelhada, servil que ele tem em relação aos EUA. Esse isolamento internacional que ele está nos proporcionando, violando as regras da Organização Mundial da Saúde, vai custar caríssimo para o país a médio e longo prazo.
O impeachment de Dilma aumentou muito a tensão política no Brasil, o que está se refletindo até hoje. Mais um impeachment tão pouco depois do anterior não seria danoso para a nossa democracia?
TG – Essa não é uma contabilidade a ser feita. Se tiver impeachment, tem uma maioria social e política suficientemente articulada para manter a estabilidade democrática do país depois. Impeachment é o acionamento de um mecanismo constitucional em defesa do país, num momento de flagrantes crimes cometidos pelo presidente, crimes de responsabilidade.
Como o sr. avalia a resposta econômica do governo à crise?
TG – Só reforça a visão de que nós precisamos de um Estado regulador com capacidade de debelar crises, o que inclusive a própria constelação neoliberal dos partidos políticos adota nesse momento. Veja por exemplo a resposta que o [Emmanuel] Macron está dando na França. É uma resposta estrutural. As respostas aqui são mínimas, pequenas, forçadas inclusive pela oposição e por parte da base do governo.
Muitos avaliam que, na crise anterior, de 2008-09, as medidas de intervenção do Estado duraram tempo demais, o que gerou a situação de recessão alguns anos depois. Como evitar o mesmo erro?
TG – A lição daquela crise foi compreendida por todo mundo no momento, mas não aplicada depois. Têm que ser taxadas as grandes fortunas, o capital financeiro. O Estado tem que retomar a sua posição de indutor da economia para que a gente possa ter uma retomada estável. Isso está sendo feito em todo mundo. Eu sou um quadro da esquerda e estou de acordo com o que diz o [jornal britânico] Financial Times, é muito estranho.
O sr. sempre defendeu uma frente de esquerda para além do PT. Como vê essa possibilidade para 2022, e quem poderia estar nela?
TG – A pandemia acabou por derrubar todas as análises que pareciam sólidas até dois ou três meses atrás. Nossa frente hoje é praticamente de salvação nacional. E estão incluídas todas as forças que entendem que não haverá política, democracia e Estado se a pandemia vencer.
O elemento agregador hoje da estratégia política é a favor de uma disciplina social de isolamento e apoio irrestrito a todos os governadores e prefeitos, seja do partido que forem, que estejam a favor da estratégia de enfrentamento deste flagelo sanitário. Esta é a questão-chave.
O sr. mencionou os governadores. Incluiria o Doria nessa frente?
TG – O Doria é um governador que está atuando bem em relação à questão da pandemia. Agora, todo mundo sabe que ele tem restrições muito fortes em relação à esquerda em geral e eu diria até em relação ao projeto democrático. Então não cabe à gente pensar nos apoios que estarão juntos, temos de pensar nesse momento em quais estão em condições de se unir para derrotar a pandemia.
Nós aqui no Rio Grande do Sul temos um governador que até três ou quatro dias atrás estava numa posição valente, autêntica em relação à pandemia. Agora se entregou completamente para determinados setores do empresariado que estão a favor do arrombamento do isolamento. E temos um prefeito de direita que está tendo uma posição correta, defendendo o isolamento social.
E o Luciano Huck, poderia fazer parte de uma frente dessa?
TG – Conheço muito pouco o Luciano Huck. Conheço das exposições que tem na imprensa, mas nunca vi uma análise política dele, uma visão política do país. É mais um fenômeno midiático do que um quadro político.
O sr. defende a candidatura do Lula para 2022 ou o PT deveria abrir espaço para outro nome?
TG – Eu naturalmente, como integrante do PT, tenho grande apreço por uma eventual candidatura do Lula. Mas isso é diferente de defender. Eu quero defender uma candidatura que una o campo de oposição democrática do país. Não acho que o PT deva colocar a candidatura do Lula como incontornável. Tem que colocar como um nome, para verificar, presentes outros nomes, qual é o mais adequado para nos unir, de maneira ampla e programaticamente sustentável.
Não necessariamente tem que ser o Lula então?
TG – Não. Pode ser o Lula ou outra pessoa.
O sr. não teme que se chegarmos num segundo turno em 2022 entre PT e Bolsonaro isso de novo facilite a vitória dele?
TG – A eleição do Bolsonaro foi um fenômeno político concreto daquela época. O PT estava desvalorizado. Foi constituído pela grande mídia uma visão de que havia uma disputa entre equivalentes, uma fraude informativa, conceitual e política. Havia um candidato de um projeto democrático moderno e um protofascista. E o resultado está aí.
RAIO-X
Tarso Genro, 73
Formado em direito pela Universidade Federal de Santa Maria (RS), foi ministro da Justiça, de Relações Institucionais e Educação no governo Lula, governador do RS (2011-14) e prefeito de Porto Alegre (1993-97 e 2001-02). Escreveu “Esquerda em Processo” (2004) e “O Mundo Real – Socialismo na Era Pós-Liberal” (2008), entre outros.