O judiciário do Piauí e mais sete tribunais de Justiça estaduais (Tocantins, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Maranhão, Bahia, Paraíba e Roraima) – todos pagam o auxílio-moradia a mais de 90% de seus magistrados, conforme levantou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e divulgado pelo Estadão este final de semana. No Tocantins apenas um juiz não recebe. O TJ-SP, maior do País, uma única juíza recebeu R$ 31 mil no mês de dezembro. Os benefícios dela e de outros 2.358 colegas consumiram R$ 10,4 milhões do orçamento, o que dá R$ 125 milhões no ano. Os tribunais federais não ficam de fora. Juntos, garantem o penduricalho a 82% de seus juízes.
Discussões sobre o pagamento de auxílio-moradia no Judiciário se arrastam há quase quatro décadas, marcadas por sobreposição de leis, falta de regulamentação, regulações posteriores a liminares e ações judiciais. Neste cenário, o benefício, originalmente criado para indenizar quem não tem residência na comarca onde trabalha, hoje é concedido a 17.087 magistrados, o que representa 70% do total. O debate sobre o auxílio-moradia vem desde quando foi criado, em 1979, na Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Sem regulamentação, cada Estado aplicava de uma maneira diferente o benefício, o que feria a isonomia entre os juízes.
Depois a resolução do CNJ, o desequilíbrio acabou, mas os gastos só aumentaram. Apenas no mês de dezembro, o País gastou R$ 76 milhões com o “penduricalho” em 59 tribunais analisados, segundo levantamento do Estadão Dados.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, marcou para o dia 22 de março o julgamento em plenário das ações que discutem a legalidade do auxílio-moradia. O cenário é semelhante a outro episódio da novela judicial. Em 2000, magistrados ganharam o benefício em um acordo feito às vésperas de uma paralisação. Passaram-se 18 anos, e os juízes ameaçam usar a mesma tática no dia 15 de março, um semana antes do julgamento definitivo no STF.
O argumento em defesa do amplo auxílio-moradia reside na regra abrangente prevista pela Lei Orgânica: quem não tiver acesso a imóvel funcional ganha o direito.
Há duas legislações que poderiam impedir a distribuição ampla do benefício: a que rege os servidores públicos, de 1990, e a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Ambas impõem limites, mas os juízes argumentam que o caso deles precisa ser regido por uma lei específica. E usaram a Lei Orgânica para entrar com uma ação no STF, em 2013.
Em setembro de 2014, o ministro Luiz Fux concedeu liminar até que o mérito fosse julgado. Outras categorias pediram equiparação aos magistrados federais e também conseguiram. Enquanto isso, valeria a Resolução 199 do CNJ, de outubro de 2014. Essa resolução, porém, que imporia limites ao auxílio, acabou “abrindo a porteira” para sua ampla distribuição, e aumento exponencial de gastos, já que permitiu que juízes com imóvel próprio passassem a receber.
Sem auxílio
Em uma população de 24.119 magistrados, apenas 7.070 não recebem o benefício. Dentre eles, aposentados, os que já ocupam imóvel funcional e os que não solicitaram. Por se tratar de verba indenizatória, os aposentados não recebem. Pela mesma razão a quantia não está sujeita ao Imposto de Renda, conforme o Estado mostrou na semana passada. Juízes deixam de pagar R$ 360 milhões por ano ao receber penduricalhos.
Para receber a ajuda de custo os juízes não precisam comprovar nenhum pagamento de aluguel. Ela cai direto no contracheque, expandindo o rendimento, e eles podem usá-la como quiserem.
O Estadão Dados analisou as planilhas de remuneração dos magistrados referentes ao mês de dezembro de 2017 divulgadas pelo CNJ. Foram analisados 59 órgãos: os tribunais de Justiça estaduais, os federais, os militares e trabalhistas, além do Superior Tribunal de Justiça, Superior Tribunal Militar e Tribunal Superior do Trabalho. Os tribunais eleitorais, por empregar juízes de outras comarcas, foram excluídos do levantamento. Já o CNJ, o Tribunal Superior Eleitoral e o STF não pagam auxílio-moradia aos seus membros.
Portal AZ