Desde o início da epidemia de zika que assolou o Brasil em 2016, cientistas tentam encontrar uma explicação para o fato de que nem todas as gestantes infectadas pelo vírus têm bebês com microcefalia e outros problemas neurológicos. Agora, um novo estudo feito com bebês gêmeos finalmente trouxe uma resposta: um conjunto de alterações genéticas é responsável por aumentar a suscetibilidade de alguns bebês às consequências neurológicas da infecção.
Segundo os autores da pesquisa, de 6% a 12% das gestantes infectadas pelo vírus da zika terão bebês com problemas neurológicos. O estudo, liderado pela geneticista Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo (USP), foi publicado ontem na revista Nature Communications.
Embora o estudo tenha confirmado a existência de um componente genético, a suscetibilidade aos impactos neurológicos do vírus não é explicada pela ação de um único gene, mas por diferenças que envolvem a expressão de 64 genes diferentes. A pesquisa também concluiu que a maior parte desses genes com expressão modificada tem envolvimento no crescimento e na morte celular e na diferenciação das células cerebrais durante o desenvolvimento do feto.
De acordo com Mayana, no futuro, a descoberta de um componente genético poderá ajudar a identificar pais com risco de terem filhos com os padrões genéticos associados a uma propensão à microcefalia, que poderiam ser priorizados em uma futura campanha de vacinação. “O fato de o bebê ter esses fatores de suscetibilidade genética não significa que ele terá microcefalia a menos que seja infectado pelo vírus da zika. É possível fazer um paralelo com a diabete: a pessoa pode ter uma propensão, mas só desenvolverá a doença se consumir muito açúcar, se tiver excesso de peso e assim por diante”, diz Mayana.
A pesquisa foi feita com gêmeos, segundo Mayana, porque eles fornecem informações preciosas para responder se uma determinada condição tem causas ambientais ou genéticas. Durante a epidemia foram identificados casos de gêmeos discordantes – em que apenas um nasceu com microcefalia. Esse fato, explica a cientista, levou os pesquisadores a levantarem a hipótese – agora confirmada – de que a microcefalia decorrente da zika poderia ser consequência de predisposição genética.
“Os gêmeos são a amostra ideal para provar isso. Se estudássemos bebês com mães diferentes nunca saberíamos se elas haviam sido expostas às mesmas condições, se tinham cargas virais iguais, ou se teriam sido submetidas a infecções cruzadas de outros vírus. Ao estudar os gêmeos, temos crianças com a mesma carga viral, a mesma linhagem do vírus e assim por diante”, afirma Mayana.
O estudo. Em 2016, foram examinados 91 bebês com zika congênita, sendo nove pares de gêmeos. Entre os gêmeos, dois eram idênticos e ambos haviam sido afetados. Os outros sete pares não tinham os mesmos componentes genéticos – em um par, os irmãos haviam sido afetados; os outros eram discordantes.
Os cientistas coletaram amostras de sangue de gêmeos discordantes, e essas células foram reprogramadas para gerar células-tronco pluripotentes, que podem dar origem a qualquer tipo de tecido. Assim, foi criada uma linhagem de células progenitoras neurais, que dão origem a células do cérebro e de outras partes do sistema nervoso central. Essas amostras foram infectadas com o vírus, para reproduzir em laboratório o impacto do zika na hora da formação do cérebro dos bebês.
Em algumas amostras o vírus se reproduziu mais do que em outras, causando problemas neurológicos. Em seguida, cientistas analisaram toda a sequência de genes dos bebês e não encontraram um gene que, isoladamente, poderia determinar a suscetibilidade. Por isso, passaram a estudar o RNA dos seis gêmeos, para verificar como os genes se expressam. Perceberam, então, diferenças em 64 genes nos bebês que haviam desenvolvido problemas neurológicos, confirmando a hipótese levantada inicialmente.
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