A Justiça Eleitoral anunciou um rezoneamento eleitoral para, segundo ela, corrigir distorções que aconteciam nas zonas eleitorais e gerar economia aos cofres públicos. Na prática, a medida exclui zonas eleitorais e faz uma agregação de outras tantas. Dessa forma, o eleitor que for atendido por essas zonas, terá os atendimentos deslocados até mesmo para outras cidades. Segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral, o Brasil perderia cerca de 600 zonas eleitorais.
Os maiores prejudicados seriam os Estados do Nordeste. A Bancada Federal Nordestina, em um levantamento realizado apontou que todas as cidades com menos de 17 mil eleitores terão os cartórios eleitorais fechados. Seriam extintas 117 zonas eleitorais na região, sendo que o Piauí perde 24 zonas, Pernambuco 26, a Bahia 16, Ceará 14, Alagoas 13, Paraíba 9, Sergipe e Rio Grande do Norte cada um perde 6 zonas eleitorais e o Maranhão perde 3.
No Piauí, o estudo inicial apontava a extinção de 56, das 98 zonas eleitorais. No entanto, em votação realizada pelos juízes que compõem o Tribunal Regional Eleitoral ainda em agosto, ficou definida a extinção de 24 zonas eleitorais. O placar apontou cinco votos a dois, pela extinção das zonas, atendendo a recomendação do Tribunal.
Favorável a proposta, o presidente do TRE, desembargador Joaquim Santana explica que seu voto foi baseado no que determina a resolução do Tribunal Superior Eleitoral. “A proposta foi do TSE e nós apenas seguimos. A principal justificativa foi a econômica, aliada com a subutilização de algumas zonas. Já fui juiz no interior e sei que a subutilização acontece, em algumas delas, só funcionam, basicamente, no período eleitoral e o Tribunal tem que arcar com o pagamento de gratificações a juízes e procuradores”, argumentou à época da votação.
São nas zonas eleitorais que os eleitores podem fazer o alistamento eleitoral, o recadastramento, conversar com promotores e juízes sobre o processo eleitoral, entre outros. Sem elas por perto, alguns membros do Judiciário já avaliam que o índice de abstenção, que já chegou a 21,6% nas eleições do ano passado, pode aumentar. Isso porque, muitos terão dificuldades de se deslocar até outra cidade para buscar uma regularização com a Justiça eleitoral.
Para o cientista político Vitor Sandes, a medida requer cautela. Ele aponta que, como o processo democrático do país ainda é algo recente, se faz necessário que as instituições estejam mais próximas dos cidadãos. “Isso com certeza terá um impacto na qualidade do acompanhamento do eleitor, desde o alistamento, recadastramento. São processos meio custosos, mas necessários à democracia. Quanto mais o Estado recua, pior no sentido do controle e acompanhamento desses processos. Ainda que não esteja claro como vai funcionar, tem que ter uma preocupação em como esse acompanhamento do eleitor vai acontecer”, aponta.
Sandes comenta ainda que a Justiça Eleitoral vinha adotando medidas que estavam avançando no acompanhamento do eleitor, como o processo de biometria, recadastramentos, e que, com esse processo de extinção de zonas eleitorais, esses avanços recuam. “Os prejuízos podem ser muito grandes, sobretudo em uma democracia que é recente. O eleitorado ainda é bastante dependente das decisões que ocorrem no momento eleitoral. Esse processo que estava avançando, pode dar uma recuada”, pontua.
Para procurador, rezoneamento vai dificultar o controle dos ilícitos eleitorais pela Justiça
A medida de extinção de zonas eleitorais também não foi vista com bons olhos pelo procurador regional eleitoral da época, Israel Gonçalves. Para ele, a medida é um retrocesso porque irá dificultar a vida do eleitor e ainda dificultar o controle dos ilícitos eleitorais, muito comum no Estado, sobretudo nos municípios do interior.
Gonçalves explica que essa foi uma política equivocada de redução de custos e que, ao se extinguir as zonas, se perde o controle de fiscalização nos municípios. “Isso significa que você terá que deixar de ter um juiz e um promotor eleitoral, que são peças chave para coibir os ilícitos eleitorais, principalmente as compra de votos. O controle perde. A economia não representa o tamanho do prejuízo que se traz para a legitimidade das eleições. Tem muitos fatores contra. Pró, só a economia”, avalia.
O procurador comentou ainda que, ao dificultar o acesso do eleitor aos cartórios eleitorais, acaba favorecendo o abuso de poder político e econômico, já que o eleitor, sobretudo o mais carente, ficará mais vulnerável e tendendo a aceitar ajudas para transportes para se deslocar até outro município para resolver pendências eleitorais. “A regularidade com a Justiça Eleitoral é necessária para que o eleitor tenha acesso à vários direitos civis. Ao se dificultar isso, ele fica submetido ao poder econômico e político dos partidos, dos próprios candidatos”, completa.
Israel Gonçalves destacou ainda que, pela Resolução do TSE, o Piauí perderia um número bem menor de zonas, mas, que na mesma resolução ficou estabelecido que, para ter uma zona eleitoral, era necessário haver uma comarca. Como o Tribunal de Justiça já havia extinto e feito a agregação de comarcas no Estado, isso impactou na decisão de extinção das zonas eleitorais. “No ano passado, a Justiça Estadual começou a fazer uma agregação de comarcas, extinguindo comarcas com pouco movimento e aquela comarca é acoplada em outra comarca. A legislação eleitoral diz que para ser zona eleitoral, tem que ser sede de comarca. Se o município não tem juiz e promotor, não tem promotor eleitoral”, explicou.
Dessa forma, o efeito, na avaliação do procurador, é também de maneira simbólica. “Quando se afasta do cidadão um órgão estatal, ele sente que o Estado está se afastando dele e ele se sinta mais sozinho, perdendo a autoestima como cidadão e sendo mais fácil de ser capturado pelos interesses políticos. São pessoas que perderam a Justiça comum, agora perderam a Justiça Eleitoral. Para ela, a ideia de Justiça saiu do município”, frisa.
Tribunal Superior Eleitoral argumenta que as mudanças devem corrigir distorções em zonas
Além de uma economia de R$ 73 milhões no orçamento da Justiça Eleitoral no país, o TSE aponta que o rezoneamento eleitoral é necessário para consertar distorções no país. O órgão revelou que em algumas cidades há cerca de 200 mil eleitores por zona enquanto outras zonas atendem cerca de 10 mil eleitores.
Em nota encaminhada à imprensa, o Tribunal explicou como deve funcionar a medida. “A ideia é criar um novo modelo eficaz de atendimento ao eleitor e corrigir as distorções no quantitativo em zonas eleitorais. Com a medida, nas capitais o objetivo é ter 80 mil eleitores por zona”, diz a nota.
Após estudos, o TSE disse ainda que os técnicos da Justiça Eleitoral encontraram situações de municípios, como São Paulo, que dispõe de 58 zonas eleitorais que atendem 8.879.794 eleitores, enquanto o Rio de Janeiro, que tem quase a metade dos eleitores paulistanos (4.883.881), tem 97 zonas eleitorais. As disparidades não param por aí. Em Fortaleza (Ceará) há apenas 13 zonas eleitorais para atender 1.689.306 eleitores, enquanto em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, são 12 zonas para atender 684.179 eleitores.
Apesar dos argumentos do Tribunal, já há uma mobilização de parlamentares das bancadas federais para tentar reverter a decisão. O coordenador da bancada Nordestina, deputado piauiense Júlio César (PSD), já se reuniu com outros parlamentares, juízes e também com o presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, para tentar reverter a situação. “Somos contra, porque fizemos essa avaliação sobre a economia. O Paraná é estado que mais vai fechar zonas, e pelo orçamento do TRE do Paraná a economia será de 0,65%, o que é irrelevante. Acho até que deveria ter mais zonas eleitorais para facilitar a vida do povo brasileiro. O ideal seria manter ou aumentar o número. Não aceitamos que o fechamento das zonas eleitorais no Piauí, no Nordeste e no país”, assinalou.
Ainda assim, o TSE continua argumentando que 90% dos casos resolvidos nas zonas eleitorais são meramente administrativos, o que não iria requerer a presença de juízes e promotores. “Ou seja, lá são realizadas emissão de título, cadastramento eleitoral, entre outros serviços. Questões que podem ser resolvidas por servidores e colaboradores, sem que haja a interferência de uma autoridade. O fato de não ter juiz e promotor fixos não elimina, no entanto, a possibilidade de convocar essas autoridades para atuarem em caso de necessidade, como no período eleitoral. Isso caberá ao TRE definir de acordo com a situação”, sustentou a Corte, na nota.
Para ex-presidente do Tribunal Eleitoral do Piauí, extinção afronta a Constituição Federal
Voto vencido no TRE na votação que culminou com a extinção de zonas eleitorais no Piauí, o desembargador Edvaldo Moura avalia que a medida é uma clara afronta à Constituição Federal. Ele, que já foi presidente do Tribunal no Estado, comentou que a proposta fere o princípio da inafastabilidade da jurisdição eleitoral.
O magistrado comenta que, em termos proporcionais, o Piauí foi o Estado que mais perdeu zonas eleitorais e que isso acaba por afastar o eleitor dos serviços eleitorais. “Essa extinção de zonas eleitorais é uma afronta ao princípio constitucional do pleno e livre acesso do cidadão à Justiça Eleitoral. Afasta o cidadão do juiz, do promotor e dificulta a vida do cidadão”, argumentou.
Ainda de acordo com ele, a medida viola também o princípio da isonomia, ao tratar de maneira diferente o eleitor que mora em uma cidade maior dos que moram em cidades com uma população menor. “E isso com uma justificativa de uma economia de apenas 1% no orçamento da Justiça Eleitoral. Isso é muito triste, sobretudo em um momento em que nós, da Justiça Eleitoral, temos que estar mais próximo do eleitor, dando orientações da importância do voto na escolha de bons gestores e legisladores”, salienta.
Portal O Dia