As prefeituras de Curitiba, Salvador além de cidades do interior do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, recuaram da exigência da assinatura de um termo de consentimento cobrado aos pais, para aplicação da vacina contra Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos.

Na maioria dos casos, a decisão foi tomada depois de uma enxurrada de críticas das famílias e de questionamentos de Promotorias de Justiça.

A exigência do documento não é uma regra e cabe às prefeituras decidirem sobre o documento. O Ministério da Saúde orienta que o termo de consentimento só deve ser exigido quando pais ou responsáveis não estiverem presentes durante a vacinação.

Especialistas atestam que a exigência do documento para todas as crianças imunizadas impõe entraves à campanha de vacinação e aumentam a hesitação em relação às vacinas.

Em Salvador, a prefeitura suspendeu a exigência após um pedido de explicações do Ministério Público do Estado da Bahia. A medida -casada com a cobrança das cópias de documentos- causou reclamações dos pais, como mostrou a Folha.

O documento, contudo, segue sendo exigido nos casos em que os pais estiverem ausentes no ato da vacinação -a pessoa responsável pela criança terá que apresentar o termo assinado por um deles.

Também permanece a cobrança da apresentação de cópias de documentos, tanto de um dos pais quanto das crianças.
Em despacho, os promotores registraram que a exigência do termo poderia “representar embaraços à operacionalização da campanha de imunização e, consequentemente, ao seu avanço em Salvador”.

O subsecretário municipal de Saúde, Decio Martins, argumenta que a pasta reviu a decisão porque discussões em torno do documento, que, segundo ele, chegou a ser acertado com o MP-BA, mesmo órgão que orienta o registro da presença de um dos pais na vacinação.

“Como vamos comprovar que o pai ou a mãe realmente esteve lá? Até porque há pais que discordam da vacina”, disse.

E citou o caso do próprio prefeito de Salvador, Bruno Reis (DEM), que afirmou nesta sexta-feira (4) que dois de seus três filhos em idade de vacinação não tomaram o imunizante por decisão de sua ex-mulher, mãe das crianças.

“O exemplo mais claro é que prefeito Bruno Reis concorda, mas a ex-mulher, que é médica, não. Imagine outros casos que não são públicos?”, emendou.

Curitiba chegou também a adotar um termo de consentimento no início da vacinação infantil, mas alterou o documento na semana passada, depois de recomendação do Ministério Público do Paraná.

O documento atual pede apenas preenchimento de dados gerais da criança e dos pais ou responsáveis. Nos documentos já impressos, a parte que falava em consentimento ou recusa foi eliminada, segundo Flávia Quadros, superintendente de Gestão em Saúde da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba.

Ela explica que um documento similar foi adotado desde o início da campanha de vacinação na capital paranaense, ainda no ano passado, para evitar “sommeliers de vacina” e para registrar casos de idosos, vivendo em instituições de longa permanência, que se recusaram a receber o imunizante.

Em Rio Grande (317 km de Porto Alegre), o termo de consentimento foi suspenso na semana passada.

O município havia adotado a mesma medida quando iniciou a vacinação de adolescentes, no ano passado, segundo a prefeitura. A Secretaria Estadual de Saúde respondeu que segue as orientações do Ministério da Saúde.

O Conselho Estadual das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul diz que não há orientação do Ministério da Saúde sobre a apresentação de documentos do tipo e entende que a assinatura não é necessária.

Além disso, ressalta o conselho, as vacinas aplicadas em crianças têm aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para o uso.

No Rio de Janeiro, o Ministério Público estadual recebeu denúncias sobre a aplicação de termos de consentimento para a vacinação infantil em pelo menos quatro cidades: Nilópolis, Magé, Itaguaí e Araruama.

Em todos esses casos, o MP instaurou procedimentos para apurar a cobrança do termo, documento que não é exigido pelo Ministério da Saúde.

Em geral, representantes das prefeituras alegam que há exigência do Ministério da Saúde, o que não é verdade. Foi o que disse, por exemplo, a coordenadora de imunização de Itaguaí, Núbia Graziela, em uma transmissão nas redes sociais.

“Esse termo não é uma exigência da prefeitura. Ele está previsto pelo Ministério da Saúde, porque tem que ser consentida essa vacinação”, disse.

Após a repercussão negativa, o município suspendeu a aplicação do termo no dia 24 de janeiro. Medida parecida adotou Nilópolis, que estava aplicando um documento batizado de “termo de assentimento livre e esclarecido”.

Além de pedir a assinatura dos pais e responsáveis, o termo recomendava que estes buscassem orientação médica caso os filhos apresentassem dores no peito, falta de ar e palpitações. Especialistas dizem que esse tipo de recomendação cria medo entre os pais e desestimula a vacinação.

Em nota, a prefeitura diz que não solicita o termo desde 25 de janeiro. “Como em outras cidades, o fato ocorreu devido a um mal-entendido em um dos pontos do Plano Nacional de Imunização. Reafirmamos ainda o nosso compromisso com a vacinação das crianças, bem como de toda a população.”

Além do Ministério Público do Rio, a Defensoria Pública da União também recomendou que os municípios do Rio dispensem o termo de consentimento, restringindo sua aplicação apenas à ausência dos pais ou responsáveis.

Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, o pediatra Juarez Cunha diz que a aplicação desses termos impõe entraves à campanha de vacinação.

“Os municípios exigirem isso só aumenta a hesitação vacinal. Esse documento é mais um motivo para aqueles pais que estão em dúvida por causa de notícias falsas sobre as vacinas atrasarem ainda mais a vacinação de seus filhos”.

O especialista diz que o próprio governo tem ajudado a criar um ambiente de incerteza em relação à vacinação infantil. E reforça ainda que os imunizantes são seguros e que é essencial vacinar as crianças.

Ele explica que um novo pico de infeções deve acontecer em meados de fevereiro e afetar, sobretudo, os não vacinados, grupo no qual estão as crianças. “Isso nos preocupa muito. Se aumentarem os casos como está previsto, nós teremos falta de leitos para essas crianças”.

 

Fonte: Folhapress