“Elementos como a textura das páginas, o cheiro do papel, o design gráfico e a diagramação criam um vínculo afetivo com o leitor”. A frase explica muito bem o motivo de tanta gente ainda gostar dos livros físicos. E, também, a razão de eles ainda serem tão comercializados, mesmo com a facilidade das obras digitais.
A opinião e a frase que inicia o texto são da presidente da CBL (Câmara Brasileira do Livro), Sevani Matos. Em entrevista ao R7, ela destacou que os livros físicos têm um papel fundamental na construção de práticas de leitura, pois despertam percepções visuais e táteis que são impossíveis de replicar nos meios digitais.Sevani também comentou sobre a pesquisa ”Panorama do Consumo de Livros”, realizada pela CBL em parceria com a Nielsen BookData e publicada em janeiro deste ano, que mostrou que 56% dos consumidores compraram exclusivamente livros impressos nos últimos 12 meses.
Sevani Matos — A pesquisa “Panorama do Consumo de Livros”, da CBL, realizada pela Nielsen BookData, aponta essa preferência: 56% dos consumidores compraram exclusivamente livros impressos nos últimos 12 meses, enquanto 14% adquiriram apenas livros digitais. O estudo também revela que aqueles que preferem a compra presencial valorizam a experiência de manusear o livro antes de adquiri-lo. A diversidade de experiências sensoriais do impresso — como o toque das páginas, a textura da capa e o relevo no título — oferece vantagens únicas que ainda conquistam os consumidores de livros físicos.
Na 6ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, investigou-se pela primeira vez a preferência e a eficácia percebida entre formatos. Dos entrevistados, 57% responderam que preferem ler livros em papel, enquanto 22% optam pelos livros digitais. 21% disseram que preferem ambos ou que tanto faz o formato.
R7 — Em sua opinião, qual é o papel simbólico e afetivo do livro físico na cultura literária brasileira?
Sevani Matos — O livro físico carrega um valor simbólico que vai além do conteúdo impresso, residindo na experiência que o leitor vivencia com a obra. Elementos como a capa, as ilustrações, o design e o tipo de papel atraem aqueles que buscam uma conexão sensorial com o livro. Além disso, a possibilidade de ler sem telas agrada a muitos leitores. Para os amantes da leitura, o livro físico é único, pois permite a construção de uma biblioteca pessoal e a criação de coleções, enriquecendo a experiência afetiva e fortalecendo o vínculo com a cultura literária.
R7 — Vocês observam alguma mudança nas preferências de consumo entre as gerações mais jovens e mais velhas em relação ao formato do livro?
Sevani Matos — Sim. A pesquisa mostra que o consumo exclusivo de livros digitais é maior entre os leitores mais jovens e diminui progressivamente com o aumento da idade. A faixa etária de 18 a 24 anos apresenta o maior percentual de consumo de livros apenas no formato digital (18%), enquanto as faixas etárias de 45 a 54 anos e de 55 a 64 anos apresentam percentuais menores (12%).
R7 — O consumo de livros físicos no Brasil pode ser interpretado de maneira diferente em relação ao consumo digital, considerando o cenário econômico e as dificuldades de acesso?
Sevani Matos — A Câmara Brasileira do Livro acredita que os formatos impresso e digital são complementares. A tecnologia está cada vez mais presente no cotidiano e se torna uma ferramenta essencial para promover o hábito da leitura e divulgar livros, sejam digitais ou impressos. E-books e audiobooks já fazem parte da realidade do setor, mas as livrarias físicas continuam sendo fundamentais para quem deseja conhecer novos títulos e receber recomendações de obras e autores.
A pesquisa “Panorama do Consumo” mostrou que, entre os 14% que adquiriram apenas livros digitais, a maioria (78%) prefere o formato e-book, sendo que 47% utilizam o celular para leitura. Além disso, os consumidores de e-books e audiolivros tendem a aproveitar promoções, com 58% relatando ter adquirido um livro digital com desconto.
O estudo aponta também que a ausência de lojas físicas foi mencionada por 26,2% dos não compradores como motivo para não adquirir livros. É urgente, portanto, estabelecer uma política nacional que valorize todos os agentes do setor e incentive a ampliação de livrarias. Feiras e bienais desempenham um papel estratégico nesse contexto, aproximando o público dos livros e autores e estimulando o interesse pela leitura.
R7 — Qual é a importância do livro físico nas práticas de leitura e nas relações entre leitores e autores? Isso muda conforme o contexto social ou político?
Sevani Matos — O livro físico tem um papel fundamental na construção de práticas de leitura, pois oferece uma experiência única que vai além do conteúdo. Ele é um elemento simbólico e afetivo, que conecta o leitor à obra de forma mais intensa e tangível. Nas livrarias e eventos literários, essa conexão se fortalece ainda mais, proporcionando encontros que enriquecem a relação entre autores e leitores.
Esses espaços são verdadeiros polos culturais, onde a troca de experiências, a descoberta de novos autores e a proximidade com o escritor criam momentos marcantes e inesquecíveis. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, as livrarias e eventos literários também cumprem uma função social relevante, aproximando diferentes públicos do universo da leitura e promovendo a democratização do acesso ao livro.
No contexto social e político, o livro físico mantém seu valor como instrumento de educação, cultura e inclusão. A Câmara Brasileira do Livro reforça a importância de políticas públicas que incentivem e ampliem o acesso ao livro, especialmente em momentos de transformação digital e de mudanças nos hábitos de leitura. É essencial garantir que todas as formas de leitura sejam valorizadas, com um olhar especial para a manutenção e expansão das livrarias físicas, que seguem sendo espaços fundamentais para o fortalecimento da nossa cultura literária.
O estudo “Papel e digital: pesquisa sobre a eficácia dos materiais didáticos”, elaborado pela Associação Norueguesa de Editores e traduzido no Brasil pela Abrelivros em 2023, causou grande impacto ao mostrar que há uma potencial diferença entre as práticas de leitura em papel e digital. Em linhas gerais, os estudos mostram que o uso exclusivo de ferramentas digitais traz, provavelmente, menores resultados de aprendizagem do que se forem combinados ao uso de meios impressos. A leitura profunda de textos longos, por exemplo, é mais eficaz no formato impresso e deve ser preservada como uma conquista humana.
R7 — Existem características do livro físico (como o cheiro, a textura das páginas, a capa) que tornam a experiência de leitura única e que não podem ser replicadas pelos e-books?
Sevani Matos — O livro físico oferece uma experiência sensorial única que vai além do texto, despertando percepções visuais e táteis que são impossíveis de replicar nos meios digitais. Elementos como a textura das páginas, o cheiro do papel, o design gráfico e a diagramação criam um vínculo afetivo com o leitor. É por isso que muitas editoras investem em edições especiais, com acabamentos diferenciados, voltadas para colecionadores e amantes de livros impressos.
A 6ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” revelou que 53% dos entrevistados relatam dificuldade de concentração ao ler em plataformas digitais, e 42% consideram a leitura em papel mais eficaz para a compreensão e retenção de informações. Essas diferenças reforçam a importância do livro físico como uma alternativa relevante para quem busca uma experiência mais imersiva e focada.
Os consumidores que preferem adquirir livros online são atraídos pelas ofertas e pela conveniência. A possibilidade de customização das configurações visuais, como tipo e tamanho da fonte, cor da tela e nível de brilho, é um diferencial importante para muitos leitores.
Cada formato atende a necessidades e preferências distintas. Enquanto o livro digital é uma opção conveniente e acessível para alguns, o livro físico continua sendo insubstituível para aqueles que valorizam a materialidade e o prazer sensorial de folhear uma obra impressa. Ambos os formatos convivem e se complementam, ampliando o acesso à leitura e enriquecendo a experiência dos leitores.
R7 — O que a literatura brasileira contemporânea pode aprender com o fenômeno da preferência por livros físicos em um contexto de digitalização crescente?
Sevani Matos — A CBL entende que o fortalecimento da cultura do livro e da leitura no Brasil depende de uma série de ações integradas. Uma das principais frentes que ainda precisam ser mais desenvolvidas são as políticas públicas de incentivo ao livro e à leitura. O país necessita de iniciativas mais robustas para garantir a formação de leitores desde a infância, como programas contínuos de acesso ao livro, ampliação e melhorias das condições de bibliotecas, incluindo acervo, formação de mediadores de leitura e fortalecimento da cadeia criativa e produtiva do livro.
No ano passado, tivemos um avanço com a regulamentação da PNLE (Política Nacional de Leitura e Escrita), assinada na Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Essa regulamentação cria as condições para a implementação do PNLL (Plano Nacional do Livro e Leitura), que permitirá o desenvolvimento de programas que ampliem o acesso ao livro e à leitura.
R7 — Em sua visão acadêmica, como a relação dos brasileiros com os livros físicos influencia o mercado editorial nacional e a forma como os livros são produzidos e distribuídos?
Sevani Matos — Segundo a pesquisa “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro”, coordenada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros, com apuração da Nielsen BookData, em 2023, o setor editorial brasileiro produziu 45 mil títulos e 320 milhões de exemplares de livros impressos.
Em relação ao mercado digital, 14 mil títulos foram lançados em formato online, de acordo com a pesquisa “Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro”. Em 2023, os conteúdos digitais corresponderam a apenas 8% no faturamento das editoras (impresso + digital), o que significa um aumento de 2 pontos percentuais em relação ao ano anterior.
O crescimento de e-books e livrarias virtuais é positivo tanto para o mercado digital quanto para o físico. As operações são relevantes igualmente. No entanto, as livrarias físicas continuam sendo muito procuradas na hora de conhecer os títulos e obter indicações ou sugestões de novas obras e autores.
Essa procura estimula e alimenta uma grande cadeia industrial. Neste sentido, é importante que o mercado editorial invista cada vez mais em produções que encantem os leitores no ato da compra, pois o livro físico é visto não apenas como um meio de adquirir conhecimento, mas também como um item de coleção e herança cultural.
R7