Os trabalhadores negros qualificados foram bastante penalizados pela piora do quadro do emprego no país nos últimos anos e compõem o grupo da população com mais dificuldade para atuar na carreira cursada no ensino superior. Diante desse cenário, acabam exercendo ocupações de menor qualidade.

Entre o primeiro trimestre de 2015 e 2020, a parcela dos trabalhadores negros sobre-educados – aqueles que cursaram ensino superior, mas atuam em cargos de nível médio ou fundamental – foi a que mais cresceu, mostra um estudo da consultoria IDados.

Carteira de trabalho — Foto: Mauro Pimentel/AFP/Arquivo

Carteira de trabalho — Foto: Mauro Pimentel/AFP/Arquivo

Pelo levantamento, 37,9% dos homens negros e 33,2% das mulheres negras estavam na condição de sobre-educados no primeiro trimestre deste ano. Em 2015, essa relação era mais baixa, de 33,6% e 27,3%, respectivamente.

Para os trabalhadores brancos, também houve uma piora, com o crescimento de pessoas sobre-educados, mas esse movimento foi observado em menor grau. Entre os homens, a fatia de brasileiros com ensino superior, mas que atuam em cargos menos exigentes passou de 27,2% para 29,6%. No recorte feminino, essa variação foi de 24,9% para 27,8%.

Diploma sem valor — Foto: Economia G1

Diploma sem valor — Foto: Economia G1

“A discriminação é, sem dúvida, um dos motivos do aumento de sobre-educados entre os negros. Há inúmeras evidências de que existe discriminação na hora da contratação quando o funcionário é negro”, diz a pesquisadora do IDados e responsável pelo estudo, Ana Tereza Pires.

Há outras razões que ajudam a explicar o aumento mais intenso da quantidade de negros entre os sobre-educados. A política de cotas nas universidades, por exemplo, teve sucesso e ajudou a aumentar a quantidade de negros com diploma de ensino, mas o mercado de trabalho foi incapaz de absorver a chegada desses novos profissionais.

De 2011 a 2015, a quantidade de homens negros ocupados com ensino superior cresceu de 1,7 milhão para 2,7 milhões, enquanto as mulheres negras com diploma aumentou de 2,5 milhões para 4 milhões.

“A própria competitividade do mercado de trabalho também pode fazer com que um diploma não seja suficiente. Às vezes, a facilidade que é dada para o homem branco, por exemplo, de estudar numa escola particular, fazer cursos de inglês e ter outros treinamentos, pode se tornar um fator extra que acaba pesando na hora de o empregador tomar a decisão”, diz Ana Tereza.

 

Um mapeamento realizado pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) em vários setores da economia também ajuda a identificar como a presença de trabalhadores negros é baixa nas áreas que demandam alta qualificação e especialização, mas cresce em atividades que não exigem diploma de nível superior.

No setor bancário, apenas 23,1% dos empregados formais são negros. Nas empresas aéreas, essa relação é de 29,7% e, no setor de óleo e gás, chega a 34,6%. Na outra ponta, a presença de negros é majoritária no setor de telemarketing (64,1%), limpeza urbana (55,4%), e segurança (52,9%).

“Não existe uma regra dentro da instituição que diga: ‘não, não vamos contratar negros para a coordenação, não vamos colocar negros nos lugares de altos salários’”, diz o sociólogo e diretor do Ceert, Mario Rogério. “Existe uma informalidade que vai tirando alguns grupos de determinadas posições.”

G1